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O Tempo Esse Grande Escultor

Um arquivo dos postais que vou deixando no Estado Sentido, mas também um sítio onde escrever outras coisas minhas..Sem Sitemeter, porque pretende ser apenas um Diário, um registo de pequenas memórias...

O Tempo Esse Grande Escultor

Um arquivo dos postais que vou deixando no Estado Sentido, mas também um sítio onde escrever outras coisas minhas..Sem Sitemeter, porque pretende ser apenas um Diário, um registo de pequenas memórias...

Por terras da Galiza

Cristina Ribeiro, 07.01.16

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Que procurasse pelo antigo Couto Misto de Rubiás, dissera-me o Duarte. E, de todas as vezes que voltei àquelas terras de Montalegre, este conselho não me largava. A oportunidade surgiu nesse fim-de-semana: era um daqueles dias soalheiros de Outono, o último do ano, que o Inverno já aí estava, com os dias cinzentos e chuvosos. Entrados em Espanha, foi coisa de poucos quilómetros até vermos a placa; então era ali que, até 1864 - data da sua extinção, por assinatura do Tratado de Lisboa ( sempre esse nome de má memória, a lembrar o que, muitos anos depois, em 2007, confirmava a cedência das soberanias nacionais, a pretexto de " intensificar a união da Europa ") - existiu esse Couto, onde qualquer documento se escrevia " em português e em castelhano "... Mas logo nos demos conta de que, porque tínhamos saído tarde de casa, teríamos de aí voltar, para melhor conhecermos as terras que, desde tempos medievais, haviam integrado um Estado Autónomo encravado entre Montalegre, do lado português, e a Galiza, do lado espanhol, que, por isso, era governado por leis próprias. É que o tempo fizera-se pouco, e o que entretanto aprendera sobre esse território privilegiado justificava maior demora. E o pouco que vimos prometia: em terras Galegas, era como se continuássemos o nosso périplo pelo Barroso.

O escritor como revelador de mundos.

Cristina Ribeiro, 22.02.15

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" Meu querido amigo: sempre que o negócio da aguardente me leva aí, à tua encantadora terra, descubro, em cada viagem, em cada saída para essas encantadoras quintas, de carro, a cavalo ou a pé, inéditos encantos em paisagens e costumes, belezas que decerto vos escapam, a vós, indígenas descuidados. ( ... ) não tendes olhos para o dionisíaco esplendor que vos cerca, andais sempre de viseira caída, sempre as pupilas baixas a fossar no lodo " Ao ler esta passagem de mais um livro do autor cuja obra, magnifica obra, por ora me ocupa - Sem Método -, de João de Araújo Correia, eis-me novamente a subir as serras desse Douro alcandorado, na esteira do meu quase conterrâneo poeta, aquele João Penha, que aos amigos Gonçalves Crespo ou Guerra Junqueiro perguntava porque se deslocavam eles, se como ele não careciam de sair do confortável sofá para viajarem para onde a sua vontade os levasse - disso os seus amados livros se encarregavam.

Viajar com os outros na minha Terra

Cristina Ribeiro, 18.06.14
 
" O domingo era também o dia do barbeiro. Fui lá depois do almoço, no primeiro domingo em que assisti à Missa. Já tinha feito a barba de manhã, mas a ida ao barbeiro era, para além de tudo, um acontecimento social importante. É verdade! Até barbeiro tínhamos na nossa pouco sofisticada aldeola, para além de muitas outras coisas igualmente necessárias, como mais tarde viria a saber. Não era um barbeiro a tempo inteiro, porque era agricultor e caçador como todos os outros homens. "

 

                                        Trata-se de um pequeníssimo excerto de um relato de viagens. Uma viagem pelo Douro, levada a cabo por um inglês, em 1939. Antigo funcionário do British Museum, John Gibbons tornou-se um pouco conhecido escritor, a quem o editor sugeriu esse relato. Escolheu Portugal porque o baixo custo de vida era mais consentâneo com a sua modéstia, e o Douro por ter aí nascido, e aí possuir uma pequena casa, um seu amigo, que vivia por então em Londres, para onde emigrara muito jovem ainda.

Um livro cativante, onde se espraia a vida no dia-a-dia das gentes dessa região, escrito depois de uma estadia de quatro meses na povoação de Coleja, na freguesia de Seixo de Ansiães, concelho de Carrazeda de Ansiães. Livro que lhe valeu um prémio, dado pelo Secretariado de Propaganda Nacional, " para a melhor crítica em língua estrangeira sobre o nosso país ".  

                          Foi sem saber ainda da sua existência que, começos deste ano, visitei Coleja. O que vi não o encontro espelhado, totalmente, no « Não Criei Musgo », mas, aqui e ali, dou conta de que " nem tudo o vento levou ", lá, no pequeno povo bem encravado na serra, onde o progresso encontra ainda alguns baraços.

" E Florença, a de cabelos de oiro, disse-me, sorrindo: - Dá-me o teu braço e vem comigo! "

Cristina Ribeiro, 18.02.14

 

" Há cidades, como certas mulheres, que respiram um misterioso fluido de encanto e sedução. Florença, Granada, Veneza, são cidades voluptuosas. Há outras, como certas almas, que possuem o segredo profundo do êxtase. Em Perugia e Assis os olivais e os sinos sonham. Há cidades que cantam, como Nápoles; cidades que dançam, como Sevilha; cidades que choram, como Bruges; cidades fatais, como Viena; cidades que rezam, como Roma.
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Há cidades cujo sono se deixa embalar, como o das crianças; cidades que adormecem cantando, como Coimbra; outras que despertam sorrindo, matinais, mal o sol lhes dá os bons dias, como certas pequenas cidades alegres da montanha, habituadas ainda ao claro tinir dos rebanhos e ao despontar dos cerros. ( ... )
A alma das cidades é sempre uma alma feminina."

Augusto de Castro, « As Mulheres e as Cidades »

 

Algumas ficaram apenas no sonho; outras foram calcorreadas, palmilhadas, umas poucas até à exaustão - mas sem que nunca tivesse, nenhuma delas, deixado que sentisse, ou sequer lhe vislumbrasse, a alma: essa parece estar defesa aos olhos do visitante comum; reservam-na  para quem tem pulsar de poeta.