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O Tempo Esse Grande Escultor

Um arquivo dos postais que vou deixando no Estado Sentido, mas também um sítio onde escrever outras coisas minhas..Sem Sitemeter, porque pretende ser apenas um Diário, um registo de pequenas memórias...

O Tempo Esse Grande Escultor

Um arquivo dos postais que vou deixando no Estado Sentido, mas também um sítio onde escrever outras coisas minhas..Sem Sitemeter, porque pretende ser apenas um Diário, um registo de pequenas memórias...

Sim, ainda as há...

Cristina Ribeiro, 16.08.18

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 " Depois de [ D. António da Costa ] no-la descrever nas suas festas, nas feiras, nas esfolhadas, cantando ao desafio, ataviada com todas as riquezas de os seus ouros e todo o pittoresco dos seus trajes, passa a estudá-la na sua " utilidade ". Porque, diz, « n'esta província do Minho, ao contrario do que em toda a parte succede, a mulher é que toma verdadeiramente o logar do homem. »
No Minho poderá ainda o trabalho das artes e officios pertencer ao homem. Os campos pertencem à mulher.
Os homens lá emigram para o Brasil, Alentejo, Porto, Lisboa; à minhota, quase exclusivamente, é que está incumbido o trabalho da provincia...As proprias crianças são já criadas desde a mais tenra idade para a lida ...Assim é que se vae educando aquella incomparavel mulher do nosso Minho.
Alem de commover o espectaculo de a vermos nos campos, não commove menos o encontrá-la pelas estradas, duplicando a sua actividade e o seu ganho, pois que sendo já um trabalho a condução dos carros, a transportação dos instrumentos agrarios, a carregação à cabeça de fardos pesadissimos, vae conjuntamente fiando ou cosendo para não perder o tempo...
Não menos impressiona o vê-las nos mercados, todas senhoras da sua missão, activas, conversando com seriedade e acerto, como quem possue o conhecimento da vida e a experiencia dos negocios... "
António Arroyo, « Notas sobre Portugal »

 

Ainda as há; agora já não tantas como no tempo de D. António da Costa, mas onde quer que haja campos de cultivo, lá estão mulheres no amanho da terra. Há dias, era vê-las, nos campos de Castro Laboreiro, algumas debruçadas sobre a terra em pleno labor, enquanto outras faziam uma pausa nele para limpar o suor que lhes corria da testa, com a sachola ao ombro, para logo recomeçar a jorna.

 

 

 

 

 

A chuva cai a potes!

Cristina Ribeiro, 04.12.10

 

 

Quando ontem de manhã, estava um lindo amanhecer, os vi, por certo que já levavam um par de horas naquele sachar da terra, a prepará-la para receber as batatas em semente, que chegada é a hora de o fazer, passadas que são, e nisso se põe grande esperança, as grandes geadas, que tudo levam.

Poucos e idosos, que estes homens e mulheres são dos que ainda resistem ao chamado das fábricas, sorvedouro das gentes novas, desgraça das terras que ficam por cultivar, em breve ocupadas por mais daquelas casas que proliferam como cogumelos.

Quando hoje a manhã surgiu cinzenta e com uma cortina de chuva, pensei não os encontrar, à espera que melhor tempo fizesse. Mas não; lá estavam, de enxadas na mão, a terminar o que tinham começado, que o apelo da terra foi mais forte do que os aguaceiros, que fintavam com as serapilheiras pela cabeça...

               A esta hora, o sol há muito que acorreu , talvez condoído da sua sorte.

Nas noites de Outono, e depois dos trabalhos de lavoura,

Cristina Ribeiro, 11.10.09

 

 até que a luz do sol o permitiu, as mulheres da vizinhança reuniam-se, à volta da lareira se já fazia frio, e, na dobadoira, transformavam as maçarocas de linho em meadas, primeiro, e novelos, depois. A fim de tornarem mais leve esta tarefa, afinavam as vozes e cantavam

 

Doba, doba, dobadoira,

Não m'enrices a meada,

Quero dobar o novelo,

Tenho a minha mão cansada.

 

O novelo já é grande,

Já me não cabe na mão.

Doba, doba, dobadoira,

Dentro do meu coração

 

 ( Junho de 2018 )

Histórias que a minha mãe conta

Cristina Ribeiro, 11.10.09

 

Era por esta altura do ano, quando o linho tinha sido já "arrincado" e ripado, que, com as amigas, fugia à minha avó, e às tarefas de casa, para se juntar ao cortejo festivo que levava as plantas de flor azul ao rio, a "enterrar". Leio n«Os Mesteres de Guimarães»: " Quando o carrego é a preceito, vai o jugo dos bois enfeitado, e a carrada tem seu ar de festa. No alto, por sobre os molhos de linho, ergue-se um ramo de oliveira, com flores, que é obra da moçarada de saias. Sim, porque as raparigas também vão á "enterra". À dianteira vai a tocada, com tamboril, ferrinhos viola e armónica" (e cavaquinho, acrescenta a minha mãe)." É de ver que havendo viola e mulheres há cantadoria e dança. Feita com as enxadas a cama ao linho, na areia lavada do rio, aí o enterram". Mas a festa continuava quinze dias depois, quando se "erguia" o linho, para que ele secasse "à torreira do sol".

 

 

( Junho de 2008 )

«Povo que lavas no rio»

Cristina Ribeiro, 10.10.09

 

 

 

"Ainda que meu pai me bata

E minha mãe me tire a vida

Minha palavra está dada,

Minha mão está prometida"

 

Não seria muito diferente o cantar da roda de amigas, entre as quais se encontrava a minha mãe,que acompanhava o esfregar da roupa nas pedras do ribeiro que atravessa a aldeia, enquanto os moços as olhavam do cimo da pequena ponte.

 

Maio de 2008

«Povo que lavas no rio» (2)

Cristina Ribeiro, 10.10.09

 

" Não dávamos ponto sem nó; vocês agora não sabem divertir-se", diz a minha mãe quando recorda o tempo em que, com as amigas, ia lavar roupa ao rio. Era a ocasião sempre esperada, pois que era então que, já depois da roupa lavada, e estendida na erva para corar ao sol, os rapazes vinham ter com elas e aí namoravam até começar a escurecer...

 

Maio de 2008