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O Tempo Esse Grande Escultor

Um arquivo dos postais que vou deixando no Estado Sentido, mas também um sítio onde escrever outras coisas minhas..Sem Sitemeter, porque pretende ser apenas um Diário, um registo de pequenas memórias...

O Tempo Esse Grande Escultor

Um arquivo dos postais que vou deixando no Estado Sentido, mas também um sítio onde escrever outras coisas minhas..Sem Sitemeter, porque pretende ser apenas um Diário, um registo de pequenas memórias...

« Por essa immensa abobada de estrellas, Por esse mar de fogo viajando... » *

Cristina Ribeiro, 03.10.13

" Quando o anno de 1868 pertencia já ao passado, scismavas á meia noite sobre o mau rumo que te pareceu levarem as nossas letras. Eu sou um pouco mais crente, e menos atrabiliario: á entrada de 1869, estendo os olhos ao futuro, e espero e creio muito, porque já não são de pouca monta as primicias que nos offerece o anno litterario de 1869. Falo das Flores do campo de João de Deus. ( ... ) não escolho, para te escrever, a hora lugubre dos phantasmas. Coméço a escrever-te ás horas d’uma esplendida manhã, espalhando os olhos por aquellas duas margens do nosso Mondego: a relva rasteira que as veste, e que me fala de vagas esperanças, ha de desentranhar-se em flores e frutos. Deixa-me crer muito no dia de ámanhã.
E porque não virão as flores da poesia derramar perfumes sob este céu de Portugal, neste jardim da Europa, onde já suspirou melodias Bernardim, Camões, Garrett, Castilho! Não morre a poesia portugueza: a estaturada deusa ainda não tremeu na peanha; e quando os iconoclastas do bello quizessem contra ella erguer braços profanos, a quantos apostolos da arte não teriam de suffocar a voz!
Deixa pois cantar os poetas que levantaram a vista do pó da terra, onde tudo é limitado como a materia, e vil como o gusano das ossadas. Deixa que eu te fale de um poeta, cujo espirito é aguia que raro avisinha a ponta das azas aos marneis da sociedade. A gente pasma da altura a que se eleva aquelle espirito, e acontece ás vezes que a nossa vista não pode acompanhar tão levantados vôos: perde-se elle no vacuo, e, quando divaga em mares de luz, ficamos nós em trevas, sem ver a direcção que elle toma…
João de Deus não canta para a sociedade, canta para si. Quer discorra por vergeis de poesia singela e perfumada, quer se eleve a alturas desmedidas, não se importa de que não lhe oiçam nem entendam o canto sempre harmonioso. É talvez por isso que elle não publicou, nem publicaria as Flores do campo.
Ao amigo que lh’as estampou, muito devemos nós todos os que presamos as nossas boas letras. "

Cândido de Figueiredo," Cartas a J. Simões Dias ", in « A Folha »
 
 
                   * « Flores do Campo »

« Bucólica »

Cristina Ribeiro, 18.09.13
Que paisagem tão bela!

Podia um Corot pintá-la!

Vem tu, Carmen, contemplá-la,

Daqui, da minha janela.

 

 

Além, perto daquela cancela,

Canta e fia uma zagala;

Ao pé, um cordeiro bala,

É todo o rebanho dela;

 

 

Num campo um jumento zurra;

Cantam grilos no montado;

Batem-se cabras à turra.

 

 

Tu, dança um sapateado,

Enquanto eu gemo à bandurra

Saudades do meu passado!

      

                         João Penha, « Últimas Rimas »