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O Tempo Esse Grande Escultor

Um arquivo dos postais que vou deixando no Estado Sentido, mas também um sítio onde escrever outras coisas minhas..Sem Sitemeter, porque pretende ser apenas um Diário, um registo de pequenas memórias...

O Tempo Esse Grande Escultor

Um arquivo dos postais que vou deixando no Estado Sentido, mas também um sítio onde escrever outras coisas minhas..Sem Sitemeter, porque pretende ser apenas um Diário, um registo de pequenas memórias...

« Paladino da pátria- isto é, da língua portuguesa-,

Cristina Ribeiro, 02.03.12

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João de  Araújo Correia fez-se também apologista da ' pátria pequena '- o Douro que lhe foi berço (...) Mestre da língua pela clareza, a pureza, a correcção, reconhece-se na prosa de João Araújo Correia, a herança clássica de Bernardes e de Camilo, a que veio juntar-se o património da linguagem popular »

                       ( « O Escritor na Cidade », de João Bigotte Chorão )

 

 
 
 

Os dois Grandes vistos pela lente de um grande do nosso tempo;

Cristina Ribeiro, 01.03.12

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João Bigotte Chorão propõe-nos a incursão pela faceta ficcionista de cada um deles:

De  um diz o escritor da Guarda « A impassibilidade do narrador é atitude alheia a Camilo - Camilo que nunca é escritor objectivo, mas sempre parte interessada. E de tal modo pleiteia,, que o leitor acaba por se render a essa eloquência e por tomar também partido. Há nele um pendor moralista que não lhe permite a indiferença quanto ao destino das suas criaturas, menos filhas da sua imaginação que do seu sangue ( ... ). Oprimido pelo fardo do sofrimento humano, Camilo nada mais vê nem nada mais sente, pouco lhe importando o jogo subtil de processos literários ( ... ) A novela Camiliana não se recomenda tanto pela subtileza dos processos como pelo engenho e arte do autor. ( ... ) Se a mesma vida de Camilo ultrapassa a ficção, porque é que as suas personagens não hão-de aparecer, elas próprias, singularmente romanescas? Feliz sobretudo na pintura de retratos femininos - ele são as Ricardinas, as Josefas, as Martas, as Marianas, toda uma espantosa galeria de mulheres votadas à desgraça, como se a fúria do destino se exercesse de preferência nos seres mais amoráveis e delicados -, nenhuma personagem, porém, é tão complexa e sedutora como a do próprio autor  », enquanto, diferentemente, de Eça resume « Não são de ordem estilística as restrições que lhe possam ser feitas ( ... ) Onde Eça me parece passível de mais reservas é como ficcionista. Ele não é o grande romancista que os seus devotos proclamam. D'O Crime do Padre Amaro, até A Cidade e as Serras, quantos romances abortados, quantas personagens à procura de autor, quantas criaturas sem alma!

- Mas Os Maias?  perguntarão. Sim, Os Maias é um notável e vasto fresco de toda uma sociedade, mas, ainda como pintura de costumes, como descrição de tipos e paisagens, vale o livro de Eça. Mais do que um subtil dissecador de almas, Eça foi um admirável crítico de costumes. Ora, como ele diz nas Prosas Bárbaras, em carta a Carlos Mayer, « na arte só têm,  importância os que criam almas, e não os que reproduzem costumes »    »

 

Também na Literatura « Tomamos Partido », e torna-se notório o partido tomado pelo escritor beirão. O mesmo em que me filio. Pelo menos no que ao romance, em geral, respeita. Sem embargo de reconhecer a grandeza do polemista, do cáustico observador da sociedade do seu tempo, de que deixou inestimável testemunho escrito.

Dos livros.

Cristina Ribeiro, 09.05.10

 

Quando me preparava para ler este livro, resolvi procurar alguma crítica na internet, mas o que encontrei foi este ~pungente lamento, que mexe com quem quer que goste de livros:

 

A Luís Forjaz Trigueiros

 

João Bigotte Chorão descreve a sua perplexidade perante a desagregação de uma bilbioteca num leilão. "Não me foi dado ver ali o amor do livro, o livro como instrumento de cultura, mas o livro considerado como «mercadoria» valiosa, se tem boas gravuras, encadernações de luxo ou é de uma tiragem especial, em melhor papel, numerada e rubricada. De modo que nós, que amamos sobretudo os livros pelos autores e pelos temas, sentimos um certo mal-estar quando os ouvimos licitar como se estivéssemos na lota do peixe. Não poucos livros são depreciados como o chamado «carapau do gato», escreve na carta dedicada a Luís Forjaz Trigueiros.

 

Meu querido Amigo,

Lá se cumpriram os fados: a sua biblioteca – parte da sua biblioteca – já se dispersou por várias mãos e o mesmo aconteceu (como dizer-lhe?) a um núcleo significativo do seu rico acervo epistolar. Conhecendo o seu escrúpulo em tornar públicos escritos privados – e terá sido esse escrúpulo a fazê-lo hesitar quanto ao destino da sua correspondência passiva, que nós gostaríamos de ver preservada em organismo adequado –, mais nos dói que tantas cartas sejam como folhas varridas pelo vento e em mãos que talvez as não estimem. Se fosse o meu Amigo a dispor desse epistolário, certamente manteria a sua unidade, com a eventual triagem de alguma carta mais confidencial ou reserva da sua consulta por um determinado período de tempo.

Estive – e pode imaginar com que sentimento de desconforto – no leilão. Não me foi dado ver ali o amor do livro, o livro como instrumento de cultura, mas o livro considerado como «mercadoria» valiosa, se tem boas gravuras, encadernações de luxo ou é de uma tiragem especial, em melhor papel, numerada e rubricada. De modo que nós, que amamos sobretudo os livros pelos autores e pelos temas, sentimos um certo mal-estar quando os ouvimos licitar como se estivéssemos na lota do peixe. Não poucos livros são depreciados como o chamado «carapau do gato».

Como foram à praça também livros meus, com dedicatória, adquiri-os, obviamente, por módico preço. Ninguém para os disputar, não se tratando de autor consagrado nem de edições de encher o olho. Num deles – um diário – chamou-me a atenção uma passagem assinalada à margem, como se, por um sentido premonitório, adivinhasse o leitor atento o que havia de acontecer à sua livraria: «[…] além do meu fraco instinto de bibliómano, logo me desanima a ideia de ver dispersa, sabe-se lá por que dramáticas razões, uma biblioteca que alguém, amorosa e pacientemente, formou».

Aflorava por vezes, na sua conversa, a desencantada consciência de que nada restaria depois da sua morte. Crítico, ensaísta, cronista, jornalista, ficcionista, histórias da literatura há que nem uma linha lhe concedem, como se não tivesse existência literária. E, além de tudo quanto escreveu, há toda a sua acção cultural, intermediário que foi entre homens de várias gerações e diversas convicções. Sem perda das suas, era um homem de diálogo. Isso igualmente se vê na sua extensa correspondência passiva, agora (não sei de nojo com que o conte!) vendida a retalho. Quantas cartas, e de grandes escritores, com expressões de simpatia e admiração, e quantos correspondentes lhe batiam à porta para ouvirem uma palavra de estímulo ou lhe pedirem uma recomendação. Não é verdade que nos anos 40 a 60 tinha boas relações nos meios literários e da imprensa?…

Lembro-me que o seu tão admirado Afonso Lopes Vieira dizia de Garrett – o «divino» Garrett! – que, ainda mais notável pelo que escrevera, o fora pela estrada que abrira na literatura portuguesa. O garrettismo, ou melhor, o neogarrettismo tem, ainda hoje, quem siga na esteira do mestre. Aí temos, entre outros, o Luís Forjaz Trigueiros das Paisagens Portuguesas, tão nosso e tão europeu e civilizado. E aí temos mais um exemplo de como os valores nacionais não se opõem aos valores universais, antes são parte de um todo.

Ao testemunhar a dispersão do seu rico espólio literário, senti, meu caro Amigo, como que o vento gelado do Eclesiastes. Há um tempo para juntar e outro tempo para dispersar. Mas há quem tenha o dom da previdência que lhe permite acautelar os bens – mesmo os bens de valor sobretudo intelectual ou afectivo – para além da própria morte. Há um tempo de perder e outro tempo de ganhar.

Com um abraço que gostaria que fosse de conforto, despede-se
o seu muito grato

João Bigotte Chorão

Outubro de 2003

 

 

" Embora o não queiram reconhecer

Cristina Ribeiro, 11.10.09

 

 os republicanos, o povo, ainda que não monárquico, identifica-se instintiva ou sentimentalmente, com a realeza, porque se identifica com as famílias e as instituições que fizeram a nação, Não foram ou não são todos os reis sábios, heróis ou santos? Pois não, mas o grande argumento monárquico é o de que a instituição vale mais do que o monarca". João Bigotte Chorão

 

 

Maio de 2008