Até que a traça o coma.
Quando, há 57 anos, nasceu o meu irmão mais velho, a madrinha, que fora também a da minha mãe, disse-lhe para não se preocupar, que ela mesma compraria o vestido do futuro neófito.
Sabendo tratar-se de pessoa económicamente remediada, a mãe não se preocupou: o primeiro filho por certo teria um vestido-de-ver-a-Deus com a dignidade que uma mãe sonha para essa cerimónia, que o iria tornar cristão, como ela mesma, os seus pais, e marido.
Na véspera do acontecimento, à noite, apareceu a dita senhora com o vestido; quando o viu, a minha mãe foi a correr refugiar-se no quarto a chorar - nunca lhe passara pela cabeça que o vestido pudesse ser tão feio!
Mas já nada podia fazer: o baptismo estava marcado para a manhã seguinte. Apenas uma ideia a consolou - quando tivesse o segundo filho não deixaria que ninguém comprasse o vestido: ela, e só ela, o faria.
O que aconteceu logo no ano seguinte. Contou-nos que os dois, ela e o meu pai tiveram de fazer um grande esforço económico para comprar um vestido a gosto, mas disso não abdicavam.
O vestido que depois serviu para todos os sete filhos que se seguiram, para os muitos netos, e há-de vestir os bisnetos, atendendo ao bom estado de conservação. Só se reformará desse trabalho no dia em que, por escapar à vigilância de todos nós, pois que já o consideramos património familiar, alguma traça mais atrevida nele encontre repasto.