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O Tempo Esse Grande Escultor

Um arquivo dos postais que vou deixando no Estado Sentido, mas também um sítio onde escrever outras coisas minhas..Sem Sitemeter, porque pretende ser apenas um Diário, um registo de pequenas memórias...

O Tempo Esse Grande Escultor

Um arquivo dos postais que vou deixando no Estado Sentido, mas também um sítio onde escrever outras coisas minhas..Sem Sitemeter, porque pretende ser apenas um Diário, um registo de pequenas memórias...

O portuguesismo de Eça

Cristina Ribeiro, 07.05.14

Camilo versus Eça: um confronto que só existe na cabeça dos incondicionais de cada um dos escritores. Certo que, genericamente, gosto mais da tão castiça escrita do homem de Seide, tenho como obras-primas alguns dos livros de Eça: aí estão, nomeadamente,  A Ilustre Casa de Ramires ou Os Maias.

 Vem tal a propósito de texto lido na Revista Gil Vicente - um excerto do livro « No Saguão do Liberalismo », de Fernando Campos.

" É ponto assente que o romancista da Ilustre Casa de Ramires nunca foi esse desnacionalizador sistemático, apontado às turbas inconscientes por certa crítica leviana.
Acusaram-no de francês, de estrangeirado, de autor rebelde às disciplinas tradicionais da linguagem - que teria maculado por desconhecer os clássicos - e de mau português, que desdenhava a sua terra. ( ... )
Diferente é o parecer de Agostinho de Campos, crítico autorizado da obra queirosiana, o qual sustentava que ' Eça provou que era, ao contrário, portuguesíssimo, num Portugal que abdicara todo da sua velha individualidade nacional ' "
O próprio Eça defendera-se dessa acusação no artigo « O Francesismo », acrescenta Fernando Campos. Com efeito, aí o autor d'A Cidade e as Serras diz que aos homens de 1820 devia Portugal o estar curvado aos ditames que sopravam de França; que embora o assacassem de afrancesado, a verdade é que « em lugar de ser culpado da nossa desnacionalização fui uma das melancholicas obras d'ella », ele que « ainda com sapatinhos de crochet » " começara a respirar a França, e a ver só a França à sua volta."
Este livro, em que nos apresenta um Jacinto cansado do cosmopolitismo parisiense mas também, antes, na Ilustre Casa, um Gonçalo que em tudo faz lembrar Portugal, acabaria de vez com tais calúnias?

 
 

Não me lembro de que ano, mas foi num 31 de Março

Cristina Ribeiro, 01.03.12

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 que o cimo da escrivaninha do meu irmão se encheu com os livros de Eça de Queiroz  editados pela  « Livros do Brasil » .

Foi uma surpresa não só para ele, mas para os outros irmãos, que já afilavam o dente ao ver aquela colecção inteirinha à nossa espera.

                Mas esperava-me um balde de água fria: Só podes entender estes livros quando tiveres 15 anos, disse o meu pai, quando viu o olhar guloso que lhes deitei.

Deve ter sido por essa altura que comecei a visitar regularmente a escrivaninha do meu irmão.

Os dois Grandes vistos pela lente de um grande do nosso tempo;

Cristina Ribeiro, 01.03.12

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João Bigotte Chorão propõe-nos a incursão pela faceta ficcionista de cada um deles:

De  um diz o escritor da Guarda « A impassibilidade do narrador é atitude alheia a Camilo - Camilo que nunca é escritor objectivo, mas sempre parte interessada. E de tal modo pleiteia,, que o leitor acaba por se render a essa eloquência e por tomar também partido. Há nele um pendor moralista que não lhe permite a indiferença quanto ao destino das suas criaturas, menos filhas da sua imaginação que do seu sangue ( ... ). Oprimido pelo fardo do sofrimento humano, Camilo nada mais vê nem nada mais sente, pouco lhe importando o jogo subtil de processos literários ( ... ) A novela Camiliana não se recomenda tanto pela subtileza dos processos como pelo engenho e arte do autor. ( ... ) Se a mesma vida de Camilo ultrapassa a ficção, porque é que as suas personagens não hão-de aparecer, elas próprias, singularmente romanescas? Feliz sobretudo na pintura de retratos femininos - ele são as Ricardinas, as Josefas, as Martas, as Marianas, toda uma espantosa galeria de mulheres votadas à desgraça, como se a fúria do destino se exercesse de preferência nos seres mais amoráveis e delicados -, nenhuma personagem, porém, é tão complexa e sedutora como a do próprio autor  », enquanto, diferentemente, de Eça resume « Não são de ordem estilística as restrições que lhe possam ser feitas ( ... ) Onde Eça me parece passível de mais reservas é como ficcionista. Ele não é o grande romancista que os seus devotos proclamam. D'O Crime do Padre Amaro, até A Cidade e as Serras, quantos romances abortados, quantas personagens à procura de autor, quantas criaturas sem alma!

- Mas Os Maias?  perguntarão. Sim, Os Maias é um notável e vasto fresco de toda uma sociedade, mas, ainda como pintura de costumes, como descrição de tipos e paisagens, vale o livro de Eça. Mais do que um subtil dissecador de almas, Eça foi um admirável crítico de costumes. Ora, como ele diz nas Prosas Bárbaras, em carta a Carlos Mayer, « na arte só têm,  importância os que criam almas, e não os que reproduzem costumes »    »

 

Também na Literatura « Tomamos Partido », e torna-se notório o partido tomado pelo escritor beirão. O mesmo em que me filio. Pelo menos no que ao romance, em geral, respeita. Sem embargo de reconhecer a grandeza do polemista, do cáustico observador da sociedade do seu tempo, de que deixou inestimável testemunho escrito.

E o comboio lá ia subindo, naquele ritmo quase dolente,

Cristina Ribeiro, 21.04.11

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cortando a serra ladeada de vinhedos em socalcos que quase tocavam o céu, azul que ele estava naquele dia de Primavera. Saira da estação de Campanhã, aonde o pai a levara ainda a lua não dera lugar ao sol, e agora o sono que, por vezes, a mantinha de olhos fechados, apesar do sol bem alto já. Que não se deixasse dormir a pontos de passar pela estação onde o tio a esperava!, recomendara a mãe, quando dela se foi despedir. Pedira, por isso, ao revisor que a acordasse quando chegasse a Tormes, não fosse Morfeu, ou o pai deste,  pregar-lhe a partida.

E nesses momentos em que o filho de Hipno a fazia cair nos seus braços era com Jacinto e José Fernandes que sonhava, eles que muito antes tinham feito aquela mesma viagem.

Desejou então que lá em casa dos tios houvesse um arroz de favas à sua espera...

«Sobre a nudez crua da verdade, o manto diáfano da fantasia»

Cristina Ribeiro, 10.10.09

 

Esta a frase, retirada d'«A Relíquia», que inspirou Teixeira Lopes na concepção da estátua sita no Largo do Quintela, em Lisboa. Aquando da inauguração do monumento, oferecido à cidade pelos amigos e admiradores de Eça de Queirós, Ramalho Ortigão, tomou da palavra para dizer: " Não é um retrato literário do insigne escritor que me proponho traçar- o meu fim é unicamente fazer notar a Lisboa que Eça é, como romancista, o mais fundamental e genuinamente lisboeta de todos os escritores nacionais(...). Lisboa foi o seu laboratório de arte, o seu material de estudo, a sua preocupação de crítico, o seu mundo de escritor(...)e, a pouco e pouco, se tornou ele próprio enraizadamente lisboeta. Os seus contos e as suas novelas são o espelho desse consórcio do seu espírito com o espírito da vida lisbonense(...). E nesse vasto cenário toda uma densa população pulula, ama, pensa, estuda, combate, intriga, devora ou boceja...; contemplando o enigmático vulto de mulher olímpica, agora aqui colocado, junto do vulto do meu saudoso amigo, eu concluo perguntando-me se essa gloriosa figura, em vez de personificar uma pura e etérea abstracção estética, não é antes a estátua mesma de Lisboa".

 

 

Maio de 2008

A Tormes de Eça e de Jacinto.

Cristina Ribeiro, 10.10.09

 

 

Há uns anos estive na Quinta de Vila-Nova, em Stª Cruz do Douro, na casa que pertencera a Emília de Castro, mulher de Eça de Queirós, depois de a receber em herança de sua mãe, a Condessa de Resende, já então transformada num museu dedicado ao escritor: a Fundação Eça de Queiroz. Seria este lugar imortalizado no romance «A Cidade e as Serras», como a Quinta de Tormes, aonde Jacinto "regressa", depois de sempre ter vivido no nº 202 dos Campos Elísios, em Paris, a fim de assistir à trasladação dos ossos dos antepassados para a Capela de Família. Uma vez chegado à estação de caminho de ferro que servia o local, o dono da Quinta teve de subir a serra numa égua, seguido pelo amigo José Fernandes, montado num jumento, por um caminho "íngreme e alpestre"; mas em breve os seus males "esqueceram ante a incomparável beleza daquela serra bendita", onde "para os vales, poderosamente cavados, desciam bandos de arvoredos, tão copados e redondos, de um verde tão moço"; "Jacinto, adiante, na sua égua ruça, murmurava: - Que beleza!" e José Fernandes, " atrás, no burro de Sancho, murmurava: - que beleza!". De tal forma que o "Príncipe da Civilização" irá trocar definitivamente a Cidade Cosmopolita pelo "Castelo da Grã-Ventura", que é afinal a Serra do Douro, depois de uma primeira impressão negativa, quando encontrou um casarão "inabitável", o que faz com que logo manifeste vontade de partir para Lisboa no primeiro comboio. É esta mesma impressão que Eça faz chegar a sua mulher, numa carta endereçada da Quinta de Vila Nova, aquando de uma segunda visita, em 1898, após lá ter ido com a cunhada Benedita, seis anos antes, e ter afirmado o quão maravilhoso era o caminho percorrido a cavalo: achava agora a serra " um pouco banal e mesquinha", mas tratava-se, também aqui, de "impressão pouco duradoura", tendo bastado dois ou três passeios para o fazer experimentar"l'ancien charme".

 

Maio de 2008