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O Tempo Esse Grande Escultor

Um arquivo dos postais que vou deixando no Estado Sentido, mas também um sítio onde escrever outras coisas minhas..Sem Sitemeter, porque pretende ser apenas um Diário, um registo de pequenas memórias...

O Tempo Esse Grande Escultor

Um arquivo dos postais que vou deixando no Estado Sentido, mas também um sítio onde escrever outras coisas minhas..Sem Sitemeter, porque pretende ser apenas um Diário, um registo de pequenas memórias...

<< A Beleza e a Riqueza do Falar do Povo >>

Cristina Ribeiro, 02.07.14

" Nas aldeias do norte d'esta nossa terra pittoresca de linguagem, algumas vezes perguntava eu quantos anos tinha tal velhinho, e não entendia esta resposta: « já passa de dous carros ». Vim depois a saber que lá se contam os anos a quarenta por cada carro, por analogia com o carro de pão de quarenta alqueires. "
Camilo Castello Branco, « Novellas do Minho »

Ainda hoje é assim; pude comprová-lo há tempos, quando à minha pergunta o António respondeu: faço um carro. Teve de me explicar por miúdos o que era isso de " fazer um carro "

Nestas viagens pela nossa terra

Cristina Ribeiro, 30.09.13

temos preferido embrenhar-nos no chamado Portugal Profundo, o que, frequentemente, nos tem levado a aldeias recônditas, algumas delas quase longe de tudo, no alto de serras o que, tendo muitas vantagens, das quais as menores não são, por certo, a ausência dos ruídos que inevitavelmente associamos à cidade e das correrias que vimos nesta, tem, obviamente, desvantagens, das quais talvez a maior  seja o isolamento de quem lá vive. Porque se é verdade que em algumas se vêem crianças a brincar, a correr, noutras, as mais ignoradas, é flagrante a vetustez dos habitantes: homens e mulheres quase sempre de enxada na mão, ou debruçadas no acto de qualquer sementeira ou apanha.

Gosto de falar com essas pessoas, e noto que elas gostam que as interpelemos. Uma forma de quebrar o seu silêncio forçado; e quando o motivo  para conversarmos é o de desfazer alguma dúvida, seja sobre certo caminho a tomar, seja sobre determinado edifício ou rio não identificados, ou, ainda,sobre os acontecimentos ligados a um monumento, muitas são as vezes em que topamos com alguém que, além de conhecer tudo sobre a sua terra, é senhor de um poder de comunicação invejável. 

Lembro aquela senhora, a D. Lucinda, que logo se prontificou a falar-nos do mosteiro de Bravães, da Quinta da Cheira, que pertenceu à família materna de Tomaz de Figueiredo, onde situa a Toca do Lobo, o que fez com uma loquacidade invejável; o senhor idoso que no mosteiro de Landim logo se ofereceu para nos ministrar saborosa lição de História local; as senhoras que, em Cambezes do Rio, ao ouvir vozes vieram ter connosco para conversar, ao fim do que nos ofereceram " um presuntinho ", que só não aceitámos porque quase tínhamos acabado de almoçar.

De quando Portugal era grande...

Cristina Ribeiro, 07.01.13
 
" ( ... ) Os dous peregrinos caminharam hora e meia sem dizerem palavra, ora através de espessos e cerrados bosques, ora por entre extensos campos cultivados. Por fim pararam. Haviam chegado ao topo de uma alta collina, que abraçava, de sul a poente, um extenso e dilatado valle. ( ... ) Destacava uma igreja ghotica. Sobre a frontaria da igreja campeava a cruz de oito pontas dos cavalleiros da Ordem militar do hospital de São João Baptista de Jerusalem, conhecida seculos depois pelo nome de Ordem de Malta "
Arnaldo Gama, « O Balio de Leça »
 
No início dos anos 30 do séc. XX, encontrando-se a igreja " do antigo mosteiro de Leça do Balio tam abatida da sua passada grandeza, em estado de abandono e progressiva ruina " decidiu o ministério das obras públicas proceder à sua restauração. E se bem o pensou, melhor o fez, devolvendo-nos o edifício grandioso que hoje podemos apreciar.
E para que melhor o apreciemos, no Boletim aqui presente, dedicado a este monumento - entre muitos então reconstruídos - encontramos , em linhas gerais, uma « Notícia Histórica »:
" Ao norte do Pôrto, num dos pontos extremos da zona suburbana que entesta com aquela famosa Terra da Maia, onde entranharam forte raíz solarenga os ascendentes de um dos mais gloriosos construtores da nacionalidade - o Lidador -, ergue-se, nobilitado pela rara beleza que conserva e pela sua antiga história, um monumento que constitue, talvez, o mais notável exemplar da nossa arquitectura guerreiro-religiosa do século XIV. É a igreja de Santa Maria de Leça do Bailio.
Em volta dessas paredes, que o tempo denegriu, ergueu-se outrora, dominadoramente, o vasto mosteiro acastelado dos monges-cavaleiros da Ordem de S. João de Jerusalém; dali partiram muitos dos que auxiliaram os nossos primeiros reis na reconquista das terras ocupadas pelo invasor sarraceno; ali escutaram D. Afonso Henriques e D. Mafalda, sua mulher, as narrativas dos freires recém-chegados da Terra Santa; ali se realizou o casamento de D. Fernando com D. Leonor Teles; ali ecoou a voz de Nun'Álvares nas horas agitadas que precederam o triunfo de Aljubarrota ..."

Está inscrito no meu ADN, disse-lhe.

Cristina Ribeiro, 13.01.12

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Em conversa com uma amiga do facebook, disse que o amor pela História me está nos genes porque herdado do meu pai, um apaixonado pelos feitos e desventuras pátrios, que faz com uma grande parte da sua enorme Biblioteca seja ao tema dedicada. Autodidacta, pois não pôde ir além da Quarta Classe ( " mas bem feita ", como diz ), quando se trata dessa parte da historiografia sente-se como peixe dentro d'água.
E, desde a nossa mais tenra idade, tratou de inculcar esse amor na não pequena prole, o que, muitos anos depois, voltaria a fazer, agora com os muitos netos.
Era, assim, frequente a visita a museus, igrejas, e outros locais onde podíamos apalpar o pulso da vida dos que nesta terra nos antecederam. A lembrança mais remota que destas incursões guardo é a de uma visita, barulhenta e  agitada, à citânia de Sanfins, no concelho de Paços de Ferreira.

A chuva cai a potes!

Cristina Ribeiro, 04.12.10

 

 

Quando ontem de manhã, estava um lindo amanhecer, os vi, por certo que já levavam um par de horas naquele sachar da terra, a prepará-la para receber as batatas em semente, que chegada é a hora de o fazer, passadas que são, e nisso se põe grande esperança, as grandes geadas, que tudo levam.

Poucos e idosos, que estes homens e mulheres são dos que ainda resistem ao chamado das fábricas, sorvedouro das gentes novas, desgraça das terras que ficam por cultivar, em breve ocupadas por mais daquelas casas que proliferam como cogumelos.

Quando hoje a manhã surgiu cinzenta e com uma cortina de chuva, pensei não os encontrar, à espera que melhor tempo fizesse. Mas não; lá estavam, de enxadas na mão, a terminar o que tinham começado, que o apelo da terra foi mais forte do que os aguaceiros, que fintavam com as serapilheiras pela cabeça...

               A esta hora, o sol há muito que acorreu , talvez condoído da sua sorte.

Era muito novinho quando veio cá pra casa.

Cristina Ribeiro, 01.12.10

 

 

 

Como todos os cachorrinhos, o Gauguin era muito brincalhão e roía tudo o que lhe aparecia pela frente, Meigo, muito meigo, como muitos dos da sua espécie, especialmente os Labradores.
Foi crescendo, sempre muito acarinhado por todos, até atingir o porte que hoje é o dele: um cão imponente, com um olhar aquoso que desperta a ternura do humano mais indiferente. Foi por essa altura que uma companheira se lhe veio juntar: a Siena. Encontrada na rua, uma bela cadela castanha -cor - de - pinhão, que contrastava com o branco - marfim do Gauguin. Foi amizade ao primeiro olhar e logo se tornaram inseparáveis: onde estava um, era certo encontrarmos a outra.
Faziam as delícias dos condutores, quando, logo de manhã, iam para um lugar sobranceiro à estrada, de onde viam os carros passar. E era como se estivessem a ver um jogo de ténis, olhando ora para um lado, ora para outro,observando o movimento nos dois sentidos. O tempo ia decorrendo, num contentamento partilhado, até que a tragédia veio, abruptamente, pôr um fim a tão perfeita comunhão: gostavam de vez em quando, de atravessar o portão e andar pelos montes, mas sempre voltavam, muitas das vezes esfomeados, depois de incursões cansativas, Mas um dia não foi assim, e a Siena foi atropelada.Tristeza de nós todos e profunda solidão do Gauguin, que passou dias sem comer, ele que come tudo o que lhe aparece pela frente: não podia saber o que se tinha passado com a amiga...

 

Outros cães e cadelas vieram depois, atenuando a perda, mas nunca aquela amizade se repetiu.
Hoje, com 13 anos, o Gauguin está velho e surdo. Mas continua aquele cão muito meigo, que, assim que vê algum de nós, se deita com as patas para o ar, para que façamos carícias na barriga.Quando, de manhã, uma irmã vai correr, o Gauguin vai sempre atrás dela. Acompanha-o a Gorki, uma cadelinha preta, que por ser mais nova o provoca constantemente para a brincadeira; por vezes o Gauguin alinha, mas, sentindo o peso dos anos, nem sempre está para a aturar.

" Rapa, Tira, Deixa e Põe "

Cristina Ribeiro, 01.12.10

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- Jogar a pinhões...; temos de jogar a pinhões na noite de Natal. Os mais pequenos não conhecem essa tradição, de que tanto gostávamos na idade deles...

- Precisamos então de comprar um Rapa, e arranjar pinhas.

 

Enquanto saboreávamos as batatas com bacalhau, as pinhas, bem no meio do borralho, na lareira, aqueciam até se abrirem, e delas podermos, depois da ceia,tirar os pinhões, que submergíamos na água de um alguidar: só os que iam ao fundo entravam no jogo- os outros eram lançados ao fogo.

               Reuníamos os pinhões e lançávamos um dado de madeira, com as letras R, T,D e P- sorte a daquele que Rapava os pinhões todos e azar daquele a quem só saía a letra P, de " põe".

Fosse qual fosse o resultado, o saldo era sempre divertimento certo.

Era sempre no dia dezasseis

Cristina Ribeiro, 01.12.10

 

Já todos em férias escolares, primeiro os mais velhos, que já frequentavam o Secundário, em Guimarães, depois nós os que ainda éramos alunos da D. Maria ou da D.Laurinha, na Escola Primária de Sande. Nesse dia, que é também o do aniversário duma irmã, a programação televisiva, até ao cair da tarde, era preenchida pelo " Natal dos Hospitais ".

Bem agasalhados, lá nos dirigíamos para o Souto, aqui perto, para apanharmos musgo, o melhor das redondezas: rasteiro e muito verde, era difícil arrancá-lo dos penedos onde crescera- lembro-me de uma vez ter dito ao irmão mais velho que " aquele " era realmente o mais bonito, mas o  quão dificultoso ele era, e ele me ter respondido, com o saber de rapaz que já estudava na Cidade, " tudo o que é bom, é difícil"-

             Musgo  na caixa de papelão, chegara a hora de começar o Presépio: primeiro, desembrulhar as figuras, que a mãe tinha guardado no ano anterior, e eram muitas- além da Sagrada Família, havia os Reis-Magos, os pastores, as ovelhas...

A cabana, sempre muito elaborada, feita com canhotas, era o pai que a fazia.Depois podíamos dar asas à imaginação: lagos com papel de prata, caminhos  demarcados com serrim...

 

                   Com o passar dos anos, o Presépio foi-se simplificando, até chegar à forma actual, em que só a Sagrada Família, o burrinho e a vaquinha aparecem, mas à volta dela os pequeninos ainda  se extasiam.

 

E a Gala,

Cristina Ribeiro, 01.12.10

 

 

que, de tão meiga, me lembra  a Susana de que fala Tomaz de Figueiredo: « A cadela encostou-lhe a cabeça aos joelhos, levantou uma das patas, maneira de pedir licença de se atirar por ele acima, no seu jeito de abraçar. Os olhos húmidos perguntavam-lho ».