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O Tempo Esse Grande Escultor

Um arquivo dos postais que vou deixando no Estado Sentido, mas também um sítio onde escrever outras coisas minhas..Sem Sitemeter, porque pretende ser apenas um Diário, um registo de pequenas memórias...

O Tempo Esse Grande Escultor

Um arquivo dos postais que vou deixando no Estado Sentido, mas também um sítio onde escrever outras coisas minhas..Sem Sitemeter, porque pretende ser apenas um Diário, um registo de pequenas memórias...

As mulheres nas páginas camilianas

Cristina Ribeiro, 08.12.17

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" Vós, mulheres portuguesas, amai-o sempre, porque Camilo foi o mais carinhoso intérprete do vosso coração! Todos os graus do amor -desde que ele não é ainda senão um arfar mais fundo do vosso peito iludido ( ... ) até às violências da felicidade ou da dor -; todos os aspectos: aquele amor tímido que se esconde, e aquele amor vaidoso que se ostenta ( ... ) - todos estes modos de ser do mesmo cuidado Camilo entendeu e exaltou. Nas mãos dele andaram os vossos mais bonitos segredos de amor. Vivem na sua obra os tipos perfeitos de mulher amorosa deste amor português que alguns chamam romântico e que eu chamarei divino. Vão mudados os tempos, bem sei. O espiritualismo é contido pela análise. A alma de Platão anda arredia das almas modernas. No entanto, ainda por aí freme, em corações moços ansiar de sonhos, muita insistência de raça afectuosa, muito irredutível atavismo de sentimentalidade que rebenta e estrige em gritos de amor fatal! Essas almas compreenderão as grandes amorosas de Camilo "

Antero de Figueiredo in ' A Águia '

" Manuseie o bom Morais com mão diurna e nocturna.

Cristina Ribeiro, 18.06.14
 

                                                    Casa de Aquilino Ribeiro - Carregal, Sernancelhe.

 

Gaste assim as suas economias, não as malbarate em fofas novelas gafadas de galicismos ", escreveu Camilo castelo Branco no livro « Cancioneiro Alegre »

 

Quando leio a boa prosa do escritor beirão, são muitas as vezes que recorro ao dicionário, tantos, mas saborosos, são os regionalismos.

Pouco que fosse, nos anos setenta do século passado havia algum trabalho na divulgação da nossa boa literatura. No caso de Aquilino, logo nos primeiros anos do Ensino Secundário ri com as proezas da Salta-Pocinhas, n« O Romance da Raposa » e do almocreve prodígio no jogo do pau, n« O Malhadinhas ».

Hoje estou certa de que foi esta primeira incursão na escrita riquíssima do homem do Carregal que me abriu o apetite para depois ler outros livros seus. 

 
 

Gratidão.

Cristina Ribeiro, 25.09.13
 ( Casa do Padre António de Azevedo, em Vilarinho de Samardã, onde Camilo passou " os primeiros e unicos felizes annos " da sua mocidade )
 
Viu-se já que a personalidade do autor de Novelas do Minho era tudo menos linear: a par de um marcado lado quezilento, rabugento, mal-humorado, que por quase todos é sublinhado, descobre-se, aqui e ali, uma outra faceta mais dulcificada. É dela também exemplo este, cada vez mais raro, sentimento de gratidão, que Silva Pinto não olvida quando escreve sobre aquele a quem chama Mestre.
 
Refere o escritor que começou por polemizar com o homem de Seide: " No seu livro « Duas Horas de Leitura » diz Camilo: «  Fui educado n'uma aldêa, onde tenho uma irmã casada com um médico, irmão de um padre que foi meu mestre. O mestre podia ensinar-me muita cousa que me falta; mas eu era refractário à luz da gorda sciencia do meu padre prior. ( ... ) A aldêa chama-se Villarinho da Samardan. Demora em Tras-os-Montes, na comarca de Villa-Real, sobranceira ao rio Corrego, no desfiladeiro de uma serra sulcada de barrocaes. ( ... ) O prior era o padre Antonio d'Azevedo. » "
 
 
  Mas já esse mesmo sentimennto não passara despercebido a quem leu « O Bem e o Mal », que Camilo dedica ao seu " professor ": 
                            " Meu amigo
                                            Ha vinte e tres annos que eu vivi em sua companhia.
Lembra-se d'aquelle incorrigivel rapaz de quatorze annos que ia á venda da Serra do Musio jogar a bisca com os carvoeiros, e a bordoada, muitas vezes?
Esse rapaz sou eu; é este velho que lhe escreve aqui do cubiculo de um hospital, muito vizinho do cemiterio dos Prazeres.
Eu sou aquelle a quem padre Antonio de Azevedo ensinou principios de solpha, e as declinações da arte franceza.
Sou aquelle que leu em sua casa as « Viagens de Cyro », o « Theatro dos Deuzes », os « Luziadas », « As Peregrinações de Fernão Mendes Pinto », e outros livros, que foram os primeiros.
Sou aquelle que, sem saber latim, resava matinas e laudas com o padre Antonio.
Sou, finalmente, aquelle a quem o padre Antonio disse: - « o tempo ha de fazer de você alguna cousa. »
Passados vinte e tres annos lembrou-me dedicar este livro ao meu venerando amigo, e rogar-lhe que peça a Deus por mim. "

Subtil ironia.

Cristina Ribeiro, 07.01.13
 
Uma das " acusações " mais frequentemente feitas a Camilo, a mais das vezes por comparação com o sarcasmo Queiroziano, é a da ausência de ironia nos seus escritos. Injustíssima acusação. Mesmo sem recorrer às muitas polémicas, em que essa faceta é por demais evidente, mesmo lendo um dos seus romances mais ou menos " sentimentais ", como o que tenho em mãos, « Um Homem De Brios », ela lá está bem presente. Agora mesmo não pude conter um sorriso ao ler o seguinte passo " As mulheres faladoras, santo Deus! Que zanga eu tenho às mulheres faladoras ( ... ). Para mim é caso averiguado que a minha leitora é das pessoas mais qualificadas e espirituosas que eu conheço. Está morta por dizer em duzentas e cinquenta palavras que a mulher palreira é um ente insuportável. "
Uma delícia!...

Bem do fundo da memória.

Cristina Ribeiro, 07.01.13
 
Da primeira visita à Casa de Ceide, era muito pequena ainda, ficaram-me duas coisas: uma, já o disse, foi aquela cadeira de baloiço;  a outra era uma imagem mais esbatida ainda, mas que sempre me intrigou - poderia, deveria, mais tarde, ter satisfeito a curiosidade, mas, não sei porquê, pois que nem é esse o meu costume, não o fiz: lembro uma taça cheia de bolinhas de papel amarelecido, mas, talvez porque fosse grande a impressão causada pela cadeira onde o escritor se suicidou, não ouvi a explicação do guia.
Há dias, lia as últimas páginas de um livro de Bulhão Pato, « Sob os Ciprestes », achei que tinha descoberto a proveniência desses papéis.
São essas últimas páginas dedicadas a António Feliciano de Castilho, a quem Bulhão tratava por Mestre, e que, tal como os outros citados no livro, dormia já à sombra dessas árvores.
Fiquei a saber que o escritor cego tinha o hábito de, sempre que tinha as mãos desocupadas, cortar fitas de papel, que depois enrolava até fazer com elas pequenas bolas.
Ora, Castilho era um grande amigo de Camilo, e visitou-o na casa perto de Famalicão. Não custa a crer que, a mesma Ana Plácido que mandou erguer o obelisco em honra do Poeta, tenha guardado esses papéis como recordação dessa visita... 
 
 
 
 

" Guimarães antolhava-se [ a Eusébio Macário ] terra de promissão "

Cristina Ribeiro, 03.12.12
 
 
" Eusébio Macário não conseguia refazer-se à existência de Basto. Faltava-lhe a conversa do « Palheiro », a consideração de um auditório atento e de variegada erudição.
Já não se acomodava a lidar com labregos, encodeados, muito broncos, ele ex-indigitado vereador da Cã,mara do Porto.
Atrigava-se de manipular unguentos e pomadas depois que casara a filha com o barão dom Rabaçal ( ... ). É verdade que a baronesa fugira com o cómico, dera em droga, mas nem por isso Eusébio Macário deixara de ser sogro de um titular, e para mais Cavaleiro da Ordem de Cristo.
Sentia-se aborrecido, deslocado. Habituado à moleza das poltronas do genro, já não lhe sabiam, como antes, as largas sestas roncadas à porta, no incómodo mocho de cerdeira.( ... )
 
           Um dia, porém, soube-se em Basto que falecera em Guimarães um boticário, o Pereira, o último de uma dinastia afamada, cujo representante da época mesinhara o próprio rei D. José na sua visita ao berço da nação. A família de Pereira resolvida a fechar a farmácia, conservava ainda o praticante à espera da liquidação final das pomadas e unguentos.
Isto fez germinar no cérebro da mulher de Macário, a Eufémia Troncha, uma ideia genial: - porque não haviam de ir para Gimarães, boa terra, muito dada a comesainas, terra de soldados e mais civilização? ( ... ) 
Eusébio rendeu-se e escreveu à viúva do Pereira, a saber se a farmácia se alugava.
Veio a resposta pronta: - que sim, que se alugava...; que fosse lá...
 
Eram 5 horas da tarde de um sábado quando Eusébio Macário entrou no Toural ( ... ). A farmácia era na Porta da Vila ( ... ). A freguesia, segundo Eusébio colheu da boca do praticante, era da melhor. A Casa do Arco, a do Toural, a de Vila Pouca, a do Cano sortiam-se lá. E, antes de entrar em mais ajustes, que lhe não faltaria a dos dois hospitais das Ordens Terceiras... ( ... )
                      Macário voltou a Basto radiante, cheio de projectos, de esperanças de vida regalada, com muito pinto e sonecas tranquilas. ( ... )   "
 
 
Já Camilo, o feliz criador da burlesca e interesseira personagem do boticário de Basto, tinha morrido, quando o futuro patrono da minha Escola Preparatória engendrou este seu regresso ao Minho, depois de uma saída pouco airosa da capital nortenha: corria o ano de 1902 quando este livrinho encheu os escaparates das movimentadas livrarias da cidade de Afonso Henriques. Por então o autor tinha já lugar cativo entre uma geração de homens que muito trouxeram às letras e cultura em geral.
Com efeito, podemos ler no " site " do Agrupamento de Escolas João de Meira, entre outras coisas que indiciam um Grande, escolhido para continuar a obra de grande fôlego, iniciada pelo Enorme abade de Tagilde, Vimaranis Monumenta Historica: " Possuidor de larga cultura, a sua vocação literária manifestou-se quando, ainda estudante, principiou a colaborar em jornais académicos e de província, primeiro com versos bem trabalhados e depois em prosa, fácil e de vivo colorido. Em 1902 publicou Influências Estrangeiras em Eça de Queirós, curioso estudo revelando profundo conhecimento da obra do romancista, e mais tarde Eusébio Macário em Guimarães, à guisa de capítulos suplementares à Corja, de Camilo, e ainda Cartas de Camilo Castelo Branco a Francisco Martins Sarmento, com prefácio e notas. Cedo, porém, se manifestou a sua predilecção pelos estudos históricos e escreveu: Subsídios para a História Vimaranense; O Claustro da Colegiada de Guimarães e Estudos da Velha História Pátria - O Livro da Mumadona. "
Mais um vulto de que nos podemos orgulhar; mais um Grande Português.

O bom combate ... literário.

Cristina Ribeiro, 01.03.12
 
 
 

« Quando o coração me falha neste dialecto de escrever livros, volto-me para Camilo, que é sempre rei mesmo em terra de ciclopes. Volto a folhear O  Romance de Camilo, de Aquilino Ribeiro, obra de muita substância e conhecimento ».

 

                   Como Agustina volto a ele, e seguidores da escola de bem escrever, como a própria, Aquilino também, porque se não gosto da figura, o génio, esse, impôs-se com todo o valimento. Um regresso que não obedece às mesmas razões da "  maior escritora do nosso tempo ", mas por precisão de ver a língua portuguesa bem tratada, depois dos desmandos a que tantas vezes é sujeita.

 

Acrescenta não ter chegado ainda " a vez de darmos a Aquilino o que lhe é devido: uma grande admiração ". Admiração que nos merece o autor desse livro enorme que é A Casa Grande de Romarigães, esquecendo, enquanto o lemos, os também enormes aleijões daquele que o escreveu...

Os dois Grandes vistos pela lente de um grande do nosso tempo;

Cristina Ribeiro, 01.03.12

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João Bigotte Chorão propõe-nos a incursão pela faceta ficcionista de cada um deles:

De  um diz o escritor da Guarda « A impassibilidade do narrador é atitude alheia a Camilo - Camilo que nunca é escritor objectivo, mas sempre parte interessada. E de tal modo pleiteia,, que o leitor acaba por se render a essa eloquência e por tomar também partido. Há nele um pendor moralista que não lhe permite a indiferença quanto ao destino das suas criaturas, menos filhas da sua imaginação que do seu sangue ( ... ). Oprimido pelo fardo do sofrimento humano, Camilo nada mais vê nem nada mais sente, pouco lhe importando o jogo subtil de processos literários ( ... ) A novela Camiliana não se recomenda tanto pela subtileza dos processos como pelo engenho e arte do autor. ( ... ) Se a mesma vida de Camilo ultrapassa a ficção, porque é que as suas personagens não hão-de aparecer, elas próprias, singularmente romanescas? Feliz sobretudo na pintura de retratos femininos - ele são as Ricardinas, as Josefas, as Martas, as Marianas, toda uma espantosa galeria de mulheres votadas à desgraça, como se a fúria do destino se exercesse de preferência nos seres mais amoráveis e delicados -, nenhuma personagem, porém, é tão complexa e sedutora como a do próprio autor  », enquanto, diferentemente, de Eça resume « Não são de ordem estilística as restrições que lhe possam ser feitas ( ... ) Onde Eça me parece passível de mais reservas é como ficcionista. Ele não é o grande romancista que os seus devotos proclamam. D'O Crime do Padre Amaro, até A Cidade e as Serras, quantos romances abortados, quantas personagens à procura de autor, quantas criaturas sem alma!

- Mas Os Maias?  perguntarão. Sim, Os Maias é um notável e vasto fresco de toda uma sociedade, mas, ainda como pintura de costumes, como descrição de tipos e paisagens, vale o livro de Eça. Mais do que um subtil dissecador de almas, Eça foi um admirável crítico de costumes. Ora, como ele diz nas Prosas Bárbaras, em carta a Carlos Mayer, « na arte só têm,  importância os que criam almas, e não os que reproduzem costumes »    »

 

Também na Literatura « Tomamos Partido », e torna-se notório o partido tomado pelo escritor beirão. O mesmo em que me filio. Pelo menos no que ao romance, em geral, respeita. Sem embargo de reconhecer a grandeza do polemista, do cáustico observador da sociedade do seu tempo, de que deixou inestimável testemunho escrito.

Camilo visto por...

Cristina Ribeiro, 01.03.12

4. Silva Pinto

 

Ao mesmo tempo que dirigia os maiores encómios a confessos adversários de Camilo, como Teófilo Braga, este jornalista e escritor não desperdiçava uma oportunidade para tentar destruir a reputação daquele, tanto no plano literário como no da sua dignidade de homem.
Mas, após uma longa série de polémicas, iniciadas em 1874, em que nenhum dos dois foi parco no uso de uma linguagem virulenta, semeada de insultos e calúnias, a reconciliação viria cinco anos mais tarde, passando o que iniciara tamanha hostilidade,, de panfletário desbocado a admirador incondicional daquele a quem passou a considerar Mestre, e como tal se lhe dirigia, a ponto de escrever: "Era o mais completo e puro tipo de fidalgo, assim no aspecto como no trato, (...). O maior escritor de Portugal nunca me impôs, em convívio a sua opinião literária. Àquele vasto e poderosíssimo cérebro,,,"
Depois de ter começado a frequentar a casa de Ceide, adquiriu na localidade habitação própria para melhor desfrutar "da sua genialidade".

Presa à leitura das muitas e variadas polémicas

Cristina Ribeiro, 23.12.10

 

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em que Camilo se comprazia debatendo com gente mais ou menos grada do seu tempo, coligidas e comentadas por Alexandre Cabral, injustamente a veia menos realçada do consagrado romancista, pois que dela sairam saborosíssimos pedaços de prosa, sempre apimentados por uma espontaneidade e frontalidade que o faz recorrer aos mais vernáculos termos, numa verve não raras vezes acintosa, paro -  porque me lembra a que sustivera três anos antes, 1877, com a autora, também ela estrangeira, de um livro lido há tempos - « A Formosa Lusitânia » -, na que o opõe à autora de « Portugal Visto de Relance », a Princesa Rattazzi.

Uma polémica em que intervieram várias figuras contemporâneas, como o Visconde de Villas Fortes, que expõe, em traços largos, o fundo em que a mesma se irá processar: " Chegou a Lisboa uma dama, que gozava lá fora da fama de literata mais ou menos distinta, porque tinha publicado em francês alguns livrinhos literários. A vinda de semelhante escritora não era, realmente, para causar entusiasmo, muito menos entre os nossos escritores, mas a tal senhora era viúva de um príncipe " razão pela qual " os jornais de Lisboa e os de quase todo o reino começaram a chamar ' raro ' ao talento da princesa e terminaram por levar às nuvens o ' génio ', o estilo, a escola, o gosto e a erudição nunca vista da distinta escritora ".

É aqui que Camilo entra a esgrimir contra a visão de um país retrógado e provinciano que de Portugal a princesa publicita, não a poupando a palavras duras de quem vê no livro acabado de ler uma ofensa de pura calúnia, ao país que entoara tão grandes loas à viajante escritora.