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O Tempo Esse Grande Escultor

Um arquivo dos postais que vou deixando no Estado Sentido, mas também um sítio onde escrever outras coisas minhas..Sem Sitemeter, porque pretende ser apenas um Diário, um registo de pequenas memórias...

O Tempo Esse Grande Escultor

Um arquivo dos postais que vou deixando no Estado Sentido, mas também um sítio onde escrever outras coisas minhas..Sem Sitemeter, porque pretende ser apenas um Diário, um registo de pequenas memórias...

Tinha o nome daquele escritor que, já no fim do século XIX,

Cristina Ribeiro, 27.04.10

 

 

( Casa do Alto-Nespereira, Guimarães, recuperada em 2005 )

 

viera para Guimarães, para aí ingressar no Exército, acabando porém por escolher a região para morada definitiva, ao construir nos arredores da cidade - Nespereira - a Casa do Alto.

Era, na época em que comecei, por via dos estudos secundários, a frequentar a cidade, esta Livraria Raul Brandão uma das duas principais, e, por certo, a mais apelativa, tendo em conta as grandes montras, que sempre ostentavam as capas mais atraentes, os títulos mais reluzentes. Por ela passava todos os dias, e nela demorava o olhar, mas só calhava de lá entrar quando uma amiga, a quem o pai abrira  uma conta mensal determinada, ia aí comprar os livros da  Biblioteca das Raparigas, em que o nome de Odete de Saint-Maurice se destacava: foi a altura de ler, depois que ela os tivesse lido, « Colégio de Verão », « Sou Uma Rapariga do Liceu », ou « Setembro Que Grande Mês ».

Até que um dia, essas montras tantas vezes olhadas, se encheram de papéis a anunciarem a liquidação total, e descontos tão altos que os livros seriam quase dados. Foi então aquela fartura que muitas vezes, embora nem sempre, se segue à fome.

Ler. Sempre gostei de ler, desde que aprendi a fazê-lo.

Cristina Ribeiro, 27.04.10

 

E esse meu gostar sempre foi incentivado pelo meu pai: do mesmo modo que é agora o meu, adulto já,  gostava de  livros infantis, pelo que saíram da sua então pequeníssima estante os primeiros livros que li, antes ainda de recorrer à Biblioteca Itinerante da Gulbenkian. Gostava de ler,  e de ver os filmes que passavam na televisão, Domingo à tarde. Era do que mais gostava.

Veio depois a fase de gostar de escrever: escrevia diários em cadernos escolares, e nas férias escrevia - e gostava de receber - cartas aos amigos. Até que, quando fiz 16 anos, a turma me ofereceu um Diário a sério, lindamente ilustrado. Quando o acabei, voltei aos cadernos escolares, e agora, que tinha ido para Lisboa, já não esperava pelas férias para escrever cartas.

Como acontece com muitos adolescentes, começara a escrevinhar aquilo que, pomposamente, chamava de poemas. Mas depressa me deixei disso, por cedo ter chegado à conclusão de que quem nasceu para sapateiro, a mais não deve almejar. Voltei, pois, aos meus cadernos de escrita diarística, para consumo interno, sempre com os livros dos meus autores preferidos ao lado. Preferências que, naturalmente, se renovavam com o passar do tempo e das próprias leituras. Mas as palavras escritas, pelos outros, ou por mim, sempre me foram necessárias.

E é esse imperativo que ainda hoje me impele a escrever, num blogue que não nasceu sob esse signo, das páginas do meu diário, das coisas da vida, das memórias, da infància,  das coisas de que gosto, ou das histórias que os meus pais contam.

Lá diz o ditado: as lembranças são como as cerejas...

Cristina Ribeiro, 26.04.10

 

" E quando veio ao Evangelho, que nos erguemos todos em pé, com as mãos levantadas, eles (os índios) se levantaram conosco e alçaram as mãos, ficando assim, até ser acabado: e então tornaram-se a assentar como nós... e em tal maneira sossegados, que, certifico a Vossa Alteza, nos fez muita devoção." - Carta de Caminha a El-Rei, 1º de maio de 1500

Um excerto da carta em que Pêro Vaz de Caminha informa D. Manuel que a armada sob o comando de Pedro Álvares Cabral chegara, a 22 de Abril, a terras que logo baptizaram de Vera Cruz. Nele se refere a primeira missa ali realizada . Foi no dia de Páscoa, que calhou a 26 do mesmo mês, faz hoje anos.

 

Dez anos antes, em 2000, a Páscoa foi no dia 23 de Abril. Fomos passá-la a Sousel. No dia anterior ficáramos em Ourém; o Sporting estava a um passo de ganhar o campeonato, e o jogo de Sábado com o Marítimo ( ? ) era decisivo Foi uma explosão de alegria quando ouvimos da vitória sportinguista.

Na manhã seguinte prosseguimos caminho ( iríamos passar lá a Segunda-feira, que por cá é dia feriado ), e, uma vez chegados à Pousada fomos

presenteados com uma reprodução daquela carta, que o EXPRESSO ( ? ).distribuira juntamente com o jornal

 

 

 

 

 

Coisas do nosso dia-a-dia, em que coisas tão prosaicas, como um campeonato de futebol, são associadas a outras que marcaram indelevelmente a história de um país...

" Já não leio; releio ",

Cristina Ribeiro, 20.04.10

                                                                               

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 dizia José Luís Borges; mas o escritor argentino já tinha, quando assim falava, na sua conta corrente milhares e milhares de páginas lidas, pelo que podia dar-se a esse luxo. Não é, evidentemente, o meu caso, pelo que ainda há à minha espera muitos livros a serem folheados pela primeira vez. Não obstante, é uma das coisas de que gosto: reler. Voltar aos livros de que gostei, e que me garantem uma segunda leitura que me mostrará coisas passadas despercebidas, porque por elas passei quase como raposa por vinha vindimada. Pormenores ricos, que se escondem nas entrelinhas. Tenho feito isso com os dois grandes do século  XIX - menos com Eça, é verdade -, mas, do mesmo modo, com escritores mais próximos de nós no tempo, com a balança a pesar mais para os seguidores da Escola Camiliana

Hoje, porém, os meus olhos pararam num outro livro, do sécu XIX também: voltar a acompanhar Almeida Garrett, nas viagens que fez pela nossa terra.

Numa tarde em que o calor se fez muito,

Cristina Ribeiro, 04.12.09

 

opto por recolher à sombra do carvalho, que, em boa hora, este ano achou por bem estender um pouco mais os ramos, de modo a agraciar-nos com uma protecção maior ainda. Comigo vai um livro, que não abro sequer, pois foi quase logo que os olhos se fecharam, e entrei no que, mal ou bem, chamamos de sono dos justos. Acordo bem mais tarde, com o alvoroço dos cães, que vêm ao lago refrescar-se. Noto que está mais fresco já, e preparo-me para a leitura que a sesta adiara. É nessa altura que oiço, vindo não sei donde, um ruído que não identifico. Ponho-me à coca, e vejo um pássaro preto, que depois me dizem ser um pica pica, subespécie da pega, a picar no pinheiro manso ao lado, outrora feudo de uma colónia de esquilos, entretanto desaparecida, fazendo buracos perfeitos, onde, dizem-me, é hábito esconder tesouros como pinhões ou pequenos insectos. Não se assusta o pássaro com a nossa presença, antes continua, imperturbável, o trabalho minucioso de perfuração; a propósito desta sua faceta de sociabilidade, alguém diz ter um amigo domesticado um pica pica, que agora imita a voz humana.

« Há tanto tempo a não via, e que saudades, Deus meu »

Cristina Ribeiro, 20.10.09

 

A meio da manhã resolvi passear um bocado por esses caminhos, desfrutar deste tempo magnífico com que São Martinho nos tem presenteado; emociona tanta beleza: no céu, muito azul, mas também nas árvores, cujas folhas adquiriram cores que vão do vermelho escuro ao dourado, passando pelo laranja... Estava neste contemplar, e embrenhada nestes pensamentos, quando vejo passar uma carroça, puxada por um burrico, carregada de sacos que logo vi estarem cheios de milho: o moleiro, de uma outra aldeia, viera buscar as espigas para moer o grão no moinho de água, disse. Numa altura em que os poucos lavradores da terra moem o cereal no moinho eléctrico que têm em casa, esta foi uma visão que enriqueceu o meu dia.

 

Novembro de 2008

Amanheceu um pouco cinzento.

Cristina Ribeiro, 20.10.09

 

 A vontade de sair do remanso aconchegado do sofá , onde terminei agora mesmo um daqueles pequenos almoços demorados, próprios de fins-de-semana, em que sabemos ter o tempo todo por nossa conta, é nenhuma. No ar, as «Cantatas» de Bach, interpretadas pelo «The Monteverdi Choir», com a direcção de John Eliot Gardiner. Não está tempo ainda para acender a fogueira na lareira, mas o corpo agradece aquele calorzinho que vem dos radiadores. Desculpas que se inventam para não ir já ao mercado "ainda agora tomei o pequeno almoço, é cedo para pensar já na outra refeição"... Começar nova leitura, mas a preguiça não deixa levantar para procurar nas estantes o livro que se segue- conto até três e lá vou eu.

 

Novembro de 2008

Se o tivéssemos encomendado, não estaria melhor.

Cristina Ribeiro, 18.10.09

 

Um dia lindo de Outono, em que o sol começou a querer abandonar-nos já bem no entardecer.

Durante muito tempo, na adolescência, e primeiros anos de adulta, era lá, em Valença do Minho que passava as férias. Eu e os meus.

Como companheiros, tínhamos,  nós as raparigas, principalmente, porque as idades eram similares, os cinco filhos de uns velhos amigos dos pais.

Depois, a vida encarregou-se de nos separar, quando uns foram para o Porto, outros para Lisboa; mas também porque os interesses se tornaram outros.

Anos mais tarde, e porque a diferença de idades entre eles e os meus irmãos, mais velhos,

deixara de ser uma barreira, voltámos a saber deles por via destes.

Para  o dia de ontem planeáramos o reencontro; o grupo agora aumentado porque entretanto a maioria casou, e, além das mulheres, havia também crianças. Que só ontem conheci.

Foi frente a este lago, com cisnes, e num restaurante que guardou o pitoresco da região, que a festa se fez.

Estava frio já, quando os deixámos. Não antes de marcar a data, bem breve, em que virão eles visitar-nos.

Dias de chuva.

Cristina Ribeiro, 09.10.09

 

 

"Será chuva, será gente?"; é mesmo chuva! Um dia para não sair de casa, acender a lareira, ler um livro (qual há-de ser?) e ouvir uns fados de Coimbra, ou a sempre boa música que a Luísa põe no Nocturno. Ao meu lado, o gato dorme, enroscado, o sono dos justos. Esperemos que no próximo fim-de-semana esteja um tempo que nos permita ver como tudo ficou mais bonito depois desta chuva. Afinal, está quase no fim o mês das águas mil, se bem que em Maio come a velha as cerejas ao borralho...

 

 

 

Abril de 2008