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O Tempo Esse Grande Escultor

Um arquivo dos postais que vou deixando no Estado Sentido, mas também um sítio onde escrever outras coisas minhas..Sem Sitemeter, porque pretende ser apenas um Diário, um registo de pequenas memórias...

O Tempo Esse Grande Escultor

Um arquivo dos postais que vou deixando no Estado Sentido, mas também um sítio onde escrever outras coisas minhas..Sem Sitemeter, porque pretende ser apenas um Diário, um registo de pequenas memórias...

" Costuma dizer-se que sem corpo não há alma, e com mais verdade se pode afirmar

Cristina Ribeiro, 26.11.13
 que sem alma não há corpo. Portugal não caminhará para a frente sem se apoderar primeiro do seu espírito. Distante dele, seria um corpo adormecido e parado.
Implantemos a alma portuguesa na terra portuguesa para que Portugal exista como Pátria, porque uma Pátria é de natureza puramente espiritual, e as únicas forças invencíveis são as do Espírito.
Um agregado de homens, por maior que seja, por mais que trabalhe materialmente, se não existir uma alma em actividade que seja própria a esses homens, e os una n'uma comum e superior aspiração, esse agregado de homens poderá ser apenas isso - um agregado -, mas jamais uma Pátria!
 
Teixeira Pascoaes, Revista « A Águia »

“Custa tanto escrever um bom livro como um mau livro; mas só merece respeito a Arte que é em nós uma imposição, um destino, um fogo inconsumível de espírito " *

Cristina Ribeiro, 18.10.13

" Li-o duas vezes, que eu desconfio sempre da minha primeira leitura, que é raro coincidir com a segunda: ou me causa uma impressão melhor ou pior. Com a sua admirável novela, na segunda leitura foi melhor a impressão recebida. Feriu-me, sobretudo, no desenho nítido das paisagens, a figura esboçada do personagem principal. Nisto reside o maior merecimento da obra! O ser humano, porque é vivo, é indefinido, perante as cousas mortas ou simplesmente animadas. Este contraste, tão eloquente! no seu livro, porque faz ressaltar a verdade que vislumbramos no panorama do mundo, feriu-me, repito, duma maneira muito especial e original! Trata-se duma escritora de raça, dotada de excepcionais qualidades visionárias, do instinto do real. Sem este instinto, há só literatura, e mais nada. Se os românticos excederam a realidade, caindo na falsidade, os chamados naturalistas cometeram o pecado contrário, e tornaram-se inferiores à Natureza. A autora do « Mundo Fechado » não praticou esses erros. E, por isso, a felicito com o maior entusiasmo! "

 

Carta de Teixeira de Pascoaes, agradecendo a oferta do primeiro romance da escritora amarantina.

 

   * Agustina Bessa-Luís

Da boa e da má literatura.

Cristina Ribeiro, 18.10.13
" O gosto da leitura associado a uma prosa saborosa é que explica que, quando ela falta, a literatura, para muitos se torne enfadonha. Por isso, pela graça do seu estilo, é que Eça ainda se lê ( quando não condensado em discutível resumo ) e Camilo ainda vai resistindo ao progressivo empobrecimento da língua - a mesma língua de que o grande prosador celebra as " consonâncias maravilhosas ".
João Bigotte Chorão.

Gratidão.

Cristina Ribeiro, 25.09.13
 ( Casa do Padre António de Azevedo, em Vilarinho de Samardã, onde Camilo passou " os primeiros e unicos felizes annos " da sua mocidade )
 
Viu-se já que a personalidade do autor de Novelas do Minho era tudo menos linear: a par de um marcado lado quezilento, rabugento, mal-humorado, que por quase todos é sublinhado, descobre-se, aqui e ali, uma outra faceta mais dulcificada. É dela também exemplo este, cada vez mais raro, sentimento de gratidão, que Silva Pinto não olvida quando escreve sobre aquele a quem chama Mestre.
 
Refere o escritor que começou por polemizar com o homem de Seide: " No seu livro « Duas Horas de Leitura » diz Camilo: «  Fui educado n'uma aldêa, onde tenho uma irmã casada com um médico, irmão de um padre que foi meu mestre. O mestre podia ensinar-me muita cousa que me falta; mas eu era refractário à luz da gorda sciencia do meu padre prior. ( ... ) A aldêa chama-se Villarinho da Samardan. Demora em Tras-os-Montes, na comarca de Villa-Real, sobranceira ao rio Corrego, no desfiladeiro de uma serra sulcada de barrocaes. ( ... ) O prior era o padre Antonio d'Azevedo. » "
 
 
  Mas já esse mesmo sentimennto não passara despercebido a quem leu « O Bem e o Mal », que Camilo dedica ao seu " professor ": 
                            " Meu amigo
                                            Ha vinte e tres annos que eu vivi em sua companhia.
Lembra-se d'aquelle incorrigivel rapaz de quatorze annos que ia á venda da Serra do Musio jogar a bisca com os carvoeiros, e a bordoada, muitas vezes?
Esse rapaz sou eu; é este velho que lhe escreve aqui do cubiculo de um hospital, muito vizinho do cemiterio dos Prazeres.
Eu sou aquelle a quem padre Antonio de Azevedo ensinou principios de solpha, e as declinações da arte franceza.
Sou aquelle que leu em sua casa as « Viagens de Cyro », o « Theatro dos Deuzes », os « Luziadas », « As Peregrinações de Fernão Mendes Pinto », e outros livros, que foram os primeiros.
Sou aquelle que, sem saber latim, resava matinas e laudas com o padre Antonio.
Sou, finalmente, aquelle a quem o padre Antonio disse: - « o tempo ha de fazer de você alguna cousa. »
Passados vinte e tres annos lembrou-me dedicar este livro ao meu venerando amigo, e rogar-lhe que peça a Deus por mim. "

Subtil ironia.

Cristina Ribeiro, 07.01.13
 
Uma das " acusações " mais frequentemente feitas a Camilo, a mais das vezes por comparação com o sarcasmo Queiroziano, é a da ausência de ironia nos seus escritos. Injustíssima acusação. Mesmo sem recorrer às muitas polémicas, em que essa faceta é por demais evidente, mesmo lendo um dos seus romances mais ou menos " sentimentais ", como o que tenho em mãos, « Um Homem De Brios », ela lá está bem presente. Agora mesmo não pude conter um sorriso ao ler o seguinte passo " As mulheres faladoras, santo Deus! Que zanga eu tenho às mulheres faladoras ( ... ). Para mim é caso averiguado que a minha leitora é das pessoas mais qualificadas e espirituosas que eu conheço. Está morta por dizer em duzentas e cinquenta palavras que a mulher palreira é um ente insuportável. "
Uma delícia!...

Bem do fundo da memória.

Cristina Ribeiro, 07.01.13
 
Da primeira visita à Casa de Ceide, era muito pequena ainda, ficaram-me duas coisas: uma, já o disse, foi aquela cadeira de baloiço;  a outra era uma imagem mais esbatida ainda, mas que sempre me intrigou - poderia, deveria, mais tarde, ter satisfeito a curiosidade, mas, não sei porquê, pois que nem é esse o meu costume, não o fiz: lembro uma taça cheia de bolinhas de papel amarelecido, mas, talvez porque fosse grande a impressão causada pela cadeira onde o escritor se suicidou, não ouvi a explicação do guia.
Há dias, lia as últimas páginas de um livro de Bulhão Pato, « Sob os Ciprestes », achei que tinha descoberto a proveniência desses papéis.
São essas últimas páginas dedicadas a António Feliciano de Castilho, a quem Bulhão tratava por Mestre, e que, tal como os outros citados no livro, dormia já à sombra dessas árvores.
Fiquei a saber que o escritor cego tinha o hábito de, sempre que tinha as mãos desocupadas, cortar fitas de papel, que depois enrolava até fazer com elas pequenas bolas.
Ora, Castilho era um grande amigo de Camilo, e visitou-o na casa perto de Famalicão. Não custa a crer que, a mesma Ana Plácido que mandou erguer o obelisco em honra do Poeta, tenha guardado esses papéis como recordação dessa visita... 
 
 
 
 

" Guimarães antolhava-se [ a Eusébio Macário ] terra de promissão "

Cristina Ribeiro, 03.12.12
 
 
" Eusébio Macário não conseguia refazer-se à existência de Basto. Faltava-lhe a conversa do « Palheiro », a consideração de um auditório atento e de variegada erudição.
Já não se acomodava a lidar com labregos, encodeados, muito broncos, ele ex-indigitado vereador da Cã,mara do Porto.
Atrigava-se de manipular unguentos e pomadas depois que casara a filha com o barão dom Rabaçal ( ... ). É verdade que a baronesa fugira com o cómico, dera em droga, mas nem por isso Eusébio Macário deixara de ser sogro de um titular, e para mais Cavaleiro da Ordem de Cristo.
Sentia-se aborrecido, deslocado. Habituado à moleza das poltronas do genro, já não lhe sabiam, como antes, as largas sestas roncadas à porta, no incómodo mocho de cerdeira.( ... )
 
           Um dia, porém, soube-se em Basto que falecera em Guimarães um boticário, o Pereira, o último de uma dinastia afamada, cujo representante da época mesinhara o próprio rei D. José na sua visita ao berço da nação. A família de Pereira resolvida a fechar a farmácia, conservava ainda o praticante à espera da liquidação final das pomadas e unguentos.
Isto fez germinar no cérebro da mulher de Macário, a Eufémia Troncha, uma ideia genial: - porque não haviam de ir para Gimarães, boa terra, muito dada a comesainas, terra de soldados e mais civilização? ( ... ) 
Eusébio rendeu-se e escreveu à viúva do Pereira, a saber se a farmácia se alugava.
Veio a resposta pronta: - que sim, que se alugava...; que fosse lá...
 
Eram 5 horas da tarde de um sábado quando Eusébio Macário entrou no Toural ( ... ). A farmácia era na Porta da Vila ( ... ). A freguesia, segundo Eusébio colheu da boca do praticante, era da melhor. A Casa do Arco, a do Toural, a de Vila Pouca, a do Cano sortiam-se lá. E, antes de entrar em mais ajustes, que lhe não faltaria a dos dois hospitais das Ordens Terceiras... ( ... )
                      Macário voltou a Basto radiante, cheio de projectos, de esperanças de vida regalada, com muito pinto e sonecas tranquilas. ( ... )   "
 
 
Já Camilo, o feliz criador da burlesca e interesseira personagem do boticário de Basto, tinha morrido, quando o futuro patrono da minha Escola Preparatória engendrou este seu regresso ao Minho, depois de uma saída pouco airosa da capital nortenha: corria o ano de 1902 quando este livrinho encheu os escaparates das movimentadas livrarias da cidade de Afonso Henriques. Por então o autor tinha já lugar cativo entre uma geração de homens que muito trouxeram às letras e cultura em geral.
Com efeito, podemos ler no " site " do Agrupamento de Escolas João de Meira, entre outras coisas que indiciam um Grande, escolhido para continuar a obra de grande fôlego, iniciada pelo Enorme abade de Tagilde, Vimaranis Monumenta Historica: " Possuidor de larga cultura, a sua vocação literária manifestou-se quando, ainda estudante, principiou a colaborar em jornais académicos e de província, primeiro com versos bem trabalhados e depois em prosa, fácil e de vivo colorido. Em 1902 publicou Influências Estrangeiras em Eça de Queirós, curioso estudo revelando profundo conhecimento da obra do romancista, e mais tarde Eusébio Macário em Guimarães, à guisa de capítulos suplementares à Corja, de Camilo, e ainda Cartas de Camilo Castelo Branco a Francisco Martins Sarmento, com prefácio e notas. Cedo, porém, se manifestou a sua predilecção pelos estudos históricos e escreveu: Subsídios para a História Vimaranense; O Claustro da Colegiada de Guimarães e Estudos da Velha História Pátria - O Livro da Mumadona. "
Mais um vulto de que nos podemos orgulhar; mais um Grande Português.

Revisitando Tomaz de Figueiredo.

Cristina Ribeiro, 02.03.12

No prefácio escreve Aníbal Pinto de Castro: " Não  sei de outro prosador que, como Tomaz de Figueiredo, tanto e tão bem tenha tocado música com as palavras da poesia".

                      Nada mais certo! À medida que me vou familiarizando com o solitário - « Que noite de solidão! Que solidão a minha! Só a conversar com sombras menos que fantasmas » - da Casa grande e gélida - « Deixa-te ficar aqui ao lume, porque para ti, bem o aceito, há-de estar muito frio.»- , quanto mais testemunho aquele monologar amargurado, qual  Senhor  Shakespeareano de Elsenor, em que se dirige à " mulher tanto mais amada quanto mais ausente", mais escuto a poesia, que nunca dissocia da música - «..meu amor, minha música, meu céu imaginado, Beatriz.... Ouve, que vou tocar-te um sonho que sonhei ».

"- Bem, Júlia, fecha a porta

Cristina Ribeiro, 02.03.12

                                 

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O que eu cá fico a conversar comigo.(...) A  conversar com ela própria, bem a senhora o tinha dito. Passada certa idade, as pessoas vêem sempre à roda um nevoeiro de sombras, vivem de diante para trás. Então naquela noite...Rezara e rezara, fiara e fiara, até espiar a roca, fora finalmente deitar-se, por ter de ser, quando não pouco tardaria em trazer as horas trocadas: o dia a ser noite, a noite a ser dia.

Um nevoeiro de sombras... E então naquela noite, em que dera e redera voltas na cama, em que ouvira todas as badaladas do relógio, até ao luzir da manhã... Que temporal ia fora, Santo Nome do Senhor ! Pois quem houvera de o cuidar, depois de tão quieto dia de sol ! Pelo alto bem ouvira grasnar corvos, sim, já era sinal de ventaneira brava, de trovoeira grossa"

             ( "Insónia" - «Novelas e Contos» de Tomaz de Figueiredo )

 

Mais um livro do Mestre minhoto, a fazer as delícias...

Abrir o volume à sorte, e encontrar sempre este purismo na escrita, esta limpidez na linguagem.Ouvir gente nossa a falar de coisas nossas...

« Se era fogo? Pois era.

Cristina Ribeiro, 02.03.12

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Ali numa daquelas casas só de lojas e de guerindés no telhado ».

Um vocábulo mais que me era desconhecido. Não, nunca o tinha visto mais gordo, em palavra escrita, ou sequer ouvido.

                 Como sucede quando leio Camilo, o Dicionário é a todo o instante folheado. Mas nanja! E foram vários a que perguntei. Esqueço;  - "perguntarei a uma pessoa mais antiga, pode ser..."

É então que, logo a seguir, o Tomaz vem em meu auxílio: « Que são guerindés?  Aquilo que chamais mansardas, e devíeis chamar trapeiras, ao menos. E guerindés até parece que os estamos a ver. Dessas tais palavras que falam...».