Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

O Tempo Esse Grande Escultor

Um arquivo dos postais que vou deixando no Estado Sentido, mas também um sítio onde escrever outras coisas minhas..Sem Sitemeter, porque pretende ser apenas um Diário, um registo de pequenas memórias...

O Tempo Esse Grande Escultor

Um arquivo dos postais que vou deixando no Estado Sentido, mas também um sítio onde escrever outras coisas minhas..Sem Sitemeter, porque pretende ser apenas um Diário, um registo de pequenas memórias...

" Como não nasceu em berço de ouro, foram-lhe vedados estudos

Cristina Ribeiro, 06.12.09

 

certamente ao alcance da sua inteligência e da sua curiosidade intelectual. Operário têxtil quando a necessidade lhe impôs começar a ganhar cedo a vida, pertencia a essa honrada e insatisfeita família de autodidactas que se formam no convívio dos livros e dos letrados. A sua vocaçãopara a intervenção social e cultural levou-o a múltiplas iniciativas, a colaborar em jornais e, sem grandes meios financeiros, a ser livreiro e editor. Com a chancela da Livraria Pax, de Braga, editou dezenas e dezenas de livros de ficção, poesia, ensaio e crítica. Ali vemos, acenando-nos da estante, autores como Azinhal Abelho, Amândio César, Rodrigo Emílio, Pinharanda Gomes, Álvaro Ribeiro...Não era a mira do lucro que movia o editor ( não são comerciais esses autores ) mas um acto de serviço a valores não apenas literários. Um dos maiores desgostos da sua vida foi o desaparecimento, contra sua vontade, da Livraria Pax, travestida por mudança de ramo em pronto-a-vestir. Não faltam hoje livrarias e editoras que parecem um pronto-a-vestir..." ( João Bigotte Chorão ) Na mesma ocasião, perguntava o amigo blogger se havia algum livro evocativo do editor bracarense. A busca foi então mais fácil, pois que logo o encontrei na biblioteca paterna, numa edição, muito reduzida, levada a cabo por sua mulher. Lembro-me bem da Livraria Pax, onde, nas palavras do escritor Bernardino Amândio, " se reuniam intelectuais, escritores, jornalistas, num salutar convívio em que José Moreira marcava a sua presença com intervenções sempre vincadas pelo brilhantismo da sua muito consolidada cultura ", porque foi lá que adquiri os primeiros livros, já com meios próprios, e aí conheci o livreiro já numa fase bem adiantada da sua doença, mas a fazer jus à máxima " as árvores também morrem de pé ".

Eu estive em « Elsinore »,

Cristina Ribeiro, 06.12.09

 

mas não senti a presença de fantasmas a clamar por vinganças, enquanto sussurravam, sem que os pudesse ouvir, que " algo está podre no reino da Dinamarca ". O ambiente Shakespeareano, vim encontrá-lo, antes, em « Elsenor », onde, numa casa igualmente grande e fria, num monólogo feito de lágrimas e poesia, um homem vai chorando a podridão do que o rodeia. A ausência da mulher amada, musa inspiradora de música que enchia o reino agora vazio.

" Já não leio, releio "

Cristina Ribeiro, 04.12.09

 

dizia José Luís Borges; mas o escritor argentino já tinha, quando assim falava, na sua conta corrente milhares e milhares de páginas lidas, pelo que podia dar-se a esse luxo. Não é, evidentemente, o meu caso, pelo que ainda há à minha espera muitos livros a serem folheados pela primeira vez. Não obstante, é uma das coisas de que gosto: reler. Voltar aos livros de que gostei, e que me garantem uma segunda leitura que me mostrará coisas passadas despercebidas, porque por elas passei quase como raposa por vinha vindimada. Pormenores ricos, que se escondem nas entrelinhas. Tenho feito isso com os dois grandes do século XIX - menos com Eça, é verdade -, mas, do mesmo modo, com escritores mais próximos de nós no tempo, com a balança a pesar mais para os seguidores da Escola Camiliana

Bem Júlia, fecha a porta, que eu cá fico a conversar comigo ( ... )

Cristina Ribeiro, 20.10.09

 

A conversar com ela própria, bem a senhora o tinha dito. Passada certa idade, as pessoas vêem sempre à roda um nevoeiro de sombras, vivem de diante para trás. Então naquela noite...Rezara e rezara, fiara e fiara, até espiar a roca, fora finalmente deitar-se, por ter de ser, quando não pouco tardaria em trazer as horas trocadas: o dia a ser noite, a noite a ser dia. Um nevoeiro de sombras... E então naquela noite, em que dera e redera voltas na cama, em que ouvira todas as badaladas do relógio, até ao luzir da manhã... Que temporal ia fora, Santo Nome do Senhor ! Pois quem houvera de o cuidar, depois de tão quieto dia de sol ! Pelo alto bem ouvira grasnar corvos, sim, já era sinal de ventaneira brava, de trovoeira grossa"

( "Insónia" - «Novelas e Contos» de Tomaz de Figueiredo )

 

Mais um livro do Mestre minhoto, a fazer as delícias... Abrir o volume à sorte, e encontrar sempre este purismo na escrita, esta limpidez na linguagem.Ouvir gente nossa a falar de coisas nossas...

 

" Não sei de outro prosador que, como Tomaz de Figueiredo, tanto e tão bem tenha tocado música com as palavras da poesia"

Cristina Ribeiro, 17.10.09

 Nada mais certo! À medida que me vou familiarizando com o solitário - « Que noite de solidão! Que solidão a minha! Só a conversar com sombras menos que fantasmas » - da Casa grande e gélida - « Deixa-te ficar aqui ao lume, porque para ti, bem o aceito, há-de estar muito frio.»- , quanto mais testemunho aquele monologar amargurado, qual Senhor Shakespeareano de Elsenor, em que se dirige à " mulher tanto mais amada quanto mais ausente", mais escuto a poesia, que nunca dissocia da música - «..meu amor, minha música, meu céu imaginado, Beatriz...Ouve, que vou tocar-te um sonho que sonhei » - ...