A avó fazia anos.
Quatro gerações, e ela continuava a ser o centro do pequeno mundo que tinham feito dentro de muros, mas sempre com a porta escancarada para quem nele quisesse entrar, e que viesse por bem: e, também aí, a avó era única, exímia a ler o carácter de cada qual - um leve assentimento com os olhos, e o recém chegado passava a ser dos seus: a vida que a ensinara a reconhecer quem lhe chegava a casa.
E como estava cheia. Gente que subia escadas, outros as desciam, numa azáfama pouco habitual, para quem se habituara à calma voz de comando da matriarca. Nesse dia, porém, delegara todos os afazeres caseiros, e retirara-se para o jardim, logo rodeada pelos netos mais pequenos, e pelos bisnetos, que agora reclamavam mais uma das histórias por ela vividas na sua já longa vida. Alegrias e tristezas, por igual, mas o dia era de festa e a famosa selectividade da memória não o deixaria macular. E vendo uma cena assim, com os filhos tão atentos às palavras da aniversariante, os adultos olhavam-se comovidos - lembraram as vezes em que eram eles a pedir outra história.