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O Tempo Esse Grande Escultor

Um arquivo dos postais que vou deixando no Estado Sentido, mas também um sítio onde escrever outras coisas minhas..Sem Sitemeter, porque pretende ser apenas um Diário, um registo de pequenas memórias...

O Tempo Esse Grande Escultor

Um arquivo dos postais que vou deixando no Estado Sentido, mas também um sítio onde escrever outras coisas minhas..Sem Sitemeter, porque pretende ser apenas um Diário, um registo de pequenas memórias...

" Ainda sinto na pele o sol e a lua, ouço a chuva cair na minha rua, e a vida ainda me aperta nos seus braços "

Cristina Ribeiro, 02.07.14
Dela o primeiro livro que li, « Mariazinha em África ».
Gostei, muitos anos depois, de ler-lhe as Memórias - « Ao Fim da Memória » - e encontro agora este livro, que, parece, terá escrito já doente, todo ele preenchido por epístolas que têm por destinatários alguns daqueles que a rodearam desde pequena, como a mãe ou as tias, e outras pessoas que a marcaram ao longo de uma vida cheia, como o marido - António Ferro -, Cecília Meireles ou Carlos Drummond de Andrade...
É também o caso de Mircea Eliade, escritor grandemente amigo de Portugal, ao tempo Adido Cultural da Roménia. Da carta que lhe destina retiro este excerto, revelador de uma vida rica, preenchida, daquelas que nos fazem murmurar - assim, sim!...

" Recuo algumas décadas no tempo, até chegarmos àqueles anos distantes, tão distantes, ai de nós, que com a completa inocência da nossa relativa juventude, afirmávamos tudo, sabíamos tudo. A vida era para nós, então, uma coisa simples. ( ... ) Uma coisa é certa: nenhum de nós era tolo,éramos todos intelectualmente ambiciosos e todos sabíamos já que os valores espirituais eram os únicos que verdadeiramente tinham importância ".

Era uma época em que o romeno organizava tertúlias em sua casa, para " trocar impressões: você, Eliade, escolhia um assunto, que seria estudado e discutido na semana seguinte Os assuntos eram variados, de importância desigual, mas que nos pareciam a todos essenciais. "

Vidas que não souberam nunca o significado de « vazio ».

Lisboa d'outras Eras

Cristina Ribeiro, 02.07.14

O Terreiro do Paço só passou a ter esta designação depois que D. Manuel I, no início do século XVI, mandou construir os Paços da Ribeira. Mas já era conhecido como Terreiro antes disso. Com efeito, Vilhena Barbosa refere-se-lhe como " um terreiro muito vasto, que se estendia por fora da cerca de muros da cidade, banhado pelo Tejo ", ao qual na altura - 1865 - chamavam Ribeira Velha. E acrescenta: " Governando El-Rei D. Afonso V, começaram-se a construir navios na praia, onde agora vemos o Arsenal da Marinha. Porém D. Manuel aumentou e deu uma forma regular a este estabelecimento, em terreno roubado ao Tejo, como o da Praça do Terreiro do Paço, também feita pelo mesmo soberano, em frente dos paços da Ribeira, que mandara edificar para sua residência ". Refere ainda o autor que ao primitivo arsenal, conhecido como Tercenas Navais, se chamou depois Ribeira das Naus, o qual se conservaria até ao terramoto de 1755, tendo então essa mesma denominação passado ao novo arsenal, edificado no lugar onde tinha estado o antigo. Mas, em 1933, quando João Paulo Freire ( Mário ) escreve sobre a Praça, esse nome - Ribeira das Naus -, " só na boca dos eruditos. O povo já dele se esqueceu, e hoje chama-lhe apenas « Arsenal da Marinha ». Resumo de um " olhar " de João Paulo Freire, in « Lisboa do Meu Tempo e do Passado »

A caminho do regicídio (2)

Cristina Ribeiro, 02.07.14

Preparou-se, pois, logo no mesmo ano de 1907, a partir da casa do visconde da Ribeira Brava, que, tal como José Maria de Alpoim, dissentira do partido progressista, e estava " já lançado no primeiro plano da lucta contra o governo ", um golpe contra João Franco , aprazado para o dia 28 de Janeiro de 1908, organizado pelos republicanos e franco-mações António José de Almeida e Luz de Almeida. Entre os conspiradores estavam os futuros regicidas Buiça e Costa, que haviam sido " escalados para o assalto ao palácio real ", mas " visto o rei ficar em Vila Viçosa ", tinham-se dirigido para o Quartel dos Lóios.
" Na Avenida é que se devia esperar o João Franco ", comentavam entre si os conspiradores, e " após a execução ", proclamariam a república no Terreiro do Paço.
Mas o chefe do governo não aparecia. Deliberaram dispersar. Não sem que a conjura fosse descoberta, por um acaso: " Um policia de serviço na Camara Municipal " vira entrar muita gente para o elevador, que não trabalhava, e lançara o alarme ", tendo a maioria sido presa. Encontraram-se muitas armas, que tinham sido fornecidas pelo visconde.
No dia seguinte, o indignado Alfredo da Costa, chamando covardes aos que tinham " deixado de cumprir o seu dever " dirigiu-se à Redacção do « Paiz », onde se acercou de Meira e Sousa, o director do jornal, e que também conspirava contra o Rei e o seu Conselheiro, a quem exclamou: " - João Franco lavrou a sua sentença de morte ao tocar em António José de Almeida - o seu ídolo -; vou matá-lo! ", ao que o jornalista contrapôs que " o presidente do conselho era apenas uma prolongação do rei, que o dirigia "" Então mata-se o rei! ", objectou.

( Fonte- João Franco e o seu Tempo >>, de Rocha Martins )

A caminho do regicídio.

Cristina Ribeiro, 02.07.14

Quando, confessando-se impotente para ir mais longe nas necessárias reformas na Nação, devido às constantes acções de bloqueio dos partidos, que ele mesmo crismara de " rotativos ", João Franco falou ao Rei na sua intenção de se demitir da chefia do governo, D. Carlos demoveu-o desse propósito contando-lhe uma anedota: " Na guerra dos sete anos, contra a Inglaterra, a Austria e a França, Frederico, o Grande, já batalhava havia seis, quando, no momento mais rude da campanha, surpreendeu um granadeiro que se preparava para desertar; Frederico, serenamente, disse-lhe que ficasse e esperasse a batalha do dia seguinte:- « Se a perdermos, desertaremos os dois » "

O Conselheiro entendeu a mensagem. " Faziam-se as reformas. Já havia ensaiado a via parlamentar, e tudo fracassara, ruíra, perdera-se no rumor - com a dissolução do parlamento trabalhar-se-hia e depois levar-se-hia á nova Camara o resultado, seguindo-se com as reformas prontas, o paiz transformado, entrando, enfim, no que D. Carlos ambicionava, e julgava só poder resultar da tenacidade do seu presidente de conselho: a vida nova. ( ... ) A imprensa estrangeira, num acolhimento desinteressado, aplaudia. O « Morning Advertiser » explicava a lucta com os partidos por querer El-Rei implantar a moralidade administrativa.
A maçonaria movimentava-se: em França, onde Magalhães Lima tinha influencia nos meios extremistas, três portugueses reuniam-se no restaurant Brébant, a fim de prepararem as cousas para um golpe contra João Franco. "

Rocha Martins, « João Franco e o Seu Tempo »

<< A Beleza e a Riqueza do Falar do Povo >>

Cristina Ribeiro, 02.07.14

" Nas aldeias do norte d'esta nossa terra pittoresca de linguagem, algumas vezes perguntava eu quantos anos tinha tal velhinho, e não entendia esta resposta: « já passa de dous carros ». Vim depois a saber que lá se contam os anos a quarenta por cada carro, por analogia com o carro de pão de quarenta alqueires. "
Camilo Castello Branco, « Novellas do Minho »

Ainda hoje é assim; pude comprová-lo há tempos, quando à minha pergunta o António respondeu: faço um carro. Teve de me explicar por miúdos o que era isso de " fazer um carro "

...

Cristina Ribeiro, 02.07.14
Uma dessas coincidências que nos fazem sorrir: falava-se ontem da beleza do falar do povo, da linguagem de Camilo, e, vindo a talho de foice, questiona-se/nos um comentarista sobre o provável significado de uma fala do escritor, « Cruzes e santo breve da marca! », apresentando como possível interpretação: " Julgo que faz referência a determinado sítio da cidade do Porto, onde haveria uma ermida ou oratório de algum santo, e que teria a ver - a Marca - com referenciais para a navegação que demandava a traiçoeira barra da Foz."
Ora, eu , desconhecedora da topografia do Porto, não me atrevi a tecer qualquer comentário. Já era um pouco tarde, pelo que desliguei o computador e comecei a ler o romance que acabara de tirar da estante: « Miss Esfinge », de Campos Monteiro; quase logo no início diz o escritor que o protagonista, morgado da minhota Pedralva, tinha residência citadina junto da Torre da Marca.
Procurei, e soube que " A Marca (baliza), era a principal referência dos navios que entravam na barra do Douro.
Foi construída pela Câmara em 1542, a pedido do rei D. João III, ao que se supõe em substituição de um pinheiro que ali existia com as mesmas funções, nos terrenos onde hoje se situa o Palácio de Cristal, ao fundo da Avenida das Tílias.", e que por ali haveria ( há? ) uma capela - a do Senhor da Boa Nova, pelo que essa interpretação me pareceu ter pernas para andar; todo o cabimento, enfim.

<< Sublime Poeta do Amor e de todos os Sentimentos Generosos >>

Cristina Ribeiro, 02.07.14
" Esse olhar silencioso
Em que lingua se traduz?
Fala-me, oh astro saudozo
luz do céo, pallida luz!

A encantadora simplicidade dos versos de João de Deus, o seu caracter espontaneo e apaixonado, traduzindo em formas singelas e irreprehensiveis os sentimentos da sua bella alma - eis as qualidades que fizeram do poeta um vulto litterario de primeira grandeza ( ... )
A frescura, a ingenuidade e a vehemencia do seu lyrismo recordam-nos as eclogas de Bernardim Ribeiro, o poeta apaixonado e terno ( ... ) "
Fortunato de Almeida, « Revista Contemporanea »

Mas não é só esta faceta de poeta que vou buscar ao baú do meu Pai, em forma de estantes. Nas estórias que ia contando, a que retenho mais longínqua no tempo é a de ter aprendido ele a juntar as letras pela Cartilha Maternal, ainda antes da entrada na Escola Primária, devendo tais bons ofícios à generosidade do que havia de ser o seu professor durante os quatro anos curriculares, vizinho muito próximo, que nunca esqueceu até ao fim dos Seus dias, indelével foi a marca que deixou na Sua vida, de molde a considerá-lo « o segundo pai ». Basta dizer que, franqueando-lhe a sua biblioteca, O cativou para sempre para o amor aos livros.

<< Justiça!...>>, clamou até ao fim o Conde de Arnoso.

Cristina Ribeiro, 02.07.14

O Rei fora assassinado, e com ele o Príncipe Real, pelos carbonários Alfredo da Costa e Manuel Buiça.
Havia que não ceder a esta manobra que visava acabar com a monarquia, e o mínimo devido à memória do « Martyrisado » era continuar a obra que, com apoio do seu presidente de governo, encetara, tendo em vista a recuperação de uma Nação, que todos os dias se esvaía um pouco mais, a caminho do inevitável abismo, que hoje revivemos; mas não: a traição dos " monárquicos " de então ainda não batera no fundo.
" À noite, nas Necessidades, o Conselho de Estado reunido persuade o novo Rei, infante D. Manuel, a afastar João Franco e a formar ministério novo. Faz-se a vontade ao inimigo, abatem-se bandeiras perante o crime. « Os regimens sucubem e desaparecem, menos pela força do ataque que pela frouxidão da defesa » - dirá o próprio João Franco. Resume, muito exactamente, um jornal, meses depois: - ' O Rei morreu na tarde de 1 de Fevereiro, no Terreiro do Paço. A Monarquia morreu nessa noite, no Paço das Necessidades ', precisamente quando a Realeza se erguia unida a um governo sério e forte. Eliminado da cena e lançado para o exílio o único homem de pulso, não há em torno de D.Manuel senão os velhos homens dos partidos, sempre envolvidos em querelas de vaidades, sempre obcecados pelo fito de conquistar o mando para si e para os seus amigos " ( João Ameal )

Os partidos que aquele chamara de " rotativos ", aproveitam-se assim da inexperiência bem intencionada do Infante adolescente para voltarem ao mesmo regabofe, depois dos esforços do rei e do seu 1º Ministro para fazerem de Portugal um país decente.

Viagens na minha Terra

Cristina Ribeiro, 02.07.14
" Ordenou-me um dia a medicina que fosse para Vizella, e em seguida fazer uma digressão pelo Minho. Obedeci-lhe.

Dizem que é uma formosura o Minho. Pois vamos vêr o Minho.

Felizmente que para o vêr não é necessario mais do que ir com toda a commodidade n'este wagon, ponto em que eu, adorador da poesia, me separo dos poetas que declararam guerra aos caminhos de ferro por julgarem vilmente prosaico o não irmos abrasando pelas estradas quando viajâmos no verão ( ... ) "


Um mero acaso, o de ter-me chamado a atenção uma linda encadernação, fez-me parar neste volumezinho, que ameaça levar-me pela noite dentro, tão deliciosa encontrei a escrita do autor, até agora desconhecido. Trata-se de D. António da Costa.

Como o nome nada me dizia, logo se impôs uma visitinha ao Dicionário de Literatura. Li aí ter este escritor, e político, ter sido um contemporâneo de Camilo, nascido, como este, em Lisboa, um ano antes do autor das « Novelas do Minho ».


Fala-nos de um Minho Pitoresco, o mesmo que, alguns anos depois, o valenciano José Augusto Vieira viria a espelhar em dois volumosos tomos; o Minho que aqui vejo ainda eu o entrevi na minha mais tenra meninice, quando não, mais verdadeiro ainda, nas palavras de pessoas mais idosas, e do qual restam parecenças em retalhos mais afastados da civilização que veio de Paris com Jacinto.


Ficaram as saudades, que - Haja Deus! - se vão colmatando com estas leituras.