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O Tempo Esse Grande Escultor

Um arquivo dos postais que vou deixando no Estado Sentido, mas também um sítio onde escrever outras coisas minhas..Sem Sitemeter, porque pretende ser apenas um Diário, um registo de pequenas memórias...

O Tempo Esse Grande Escultor

Um arquivo dos postais que vou deixando no Estado Sentido, mas também um sítio onde escrever outras coisas minhas..Sem Sitemeter, porque pretende ser apenas um Diário, um registo de pequenas memórias...

Nestas viagens pela nossa terra

Cristina Ribeiro, 30.09.13

temos preferido embrenhar-nos no chamado Portugal Profundo, o que, frequentemente, nos tem levado a aldeias recônditas, algumas delas quase longe de tudo, no alto de serras o que, tendo muitas vantagens, das quais as menores não são, por certo, a ausência dos ruídos que inevitavelmente associamos à cidade e das correrias que vimos nesta, tem, obviamente, desvantagens, das quais talvez a maior  seja o isolamento de quem lá vive. Porque se é verdade que em algumas se vêem crianças a brincar, a correr, noutras, as mais ignoradas, é flagrante a vetustez dos habitantes: homens e mulheres quase sempre de enxada na mão, ou debruçadas no acto de qualquer sementeira ou apanha.

Gosto de falar com essas pessoas, e noto que elas gostam que as interpelemos. Uma forma de quebrar o seu silêncio forçado; e quando o motivo  para conversarmos é o de desfazer alguma dúvida, seja sobre certo caminho a tomar, seja sobre determinado edifício ou rio não identificados, ou, ainda,sobre os acontecimentos ligados a um monumento, muitas são as vezes em que topamos com alguém que, além de conhecer tudo sobre a sua terra, é senhor de um poder de comunicação invejável. 

Lembro aquela senhora, a D. Lucinda, que logo se prontificou a falar-nos do mosteiro de Bravães, da Quinta da Cheira, que pertenceu à família materna de Tomaz de Figueiredo, onde situa a Toca do Lobo, o que fez com uma loquacidade invejável; o senhor idoso que no mosteiro de Landim logo se ofereceu para nos ministrar saborosa lição de História local; as senhoras que, em Cambezes do Rio, ao ouvir vozes vieram ter connosco para conversar, ao fim do que nos ofereceram " um presuntinho ", que só não aceitámos porque quase tínhamos acabado de almoçar.

" Há tanto tempo a não via, e que saudades, Deus meu! "

Cristina Ribeiro, 30.09.13

A meio da manhã resolvi passear um bocado por esses caminhos, desfrutar deste tempo magnífico com que São Martinho nos tem presenteado;  emociona tanta beleza: no céu, muito azul, mas também nas árvores, cujas folhas adquiriram cores que vão do vermelho escuro ao dourado, passando pelo laranja...

         Estava neste contemplar, e embrenhada nestes pensamentos, quando vejo passar uma carroça, puxada por um burrico, carregada de sacos que logo vi estarem cheios  de milho: o moleiro, de uma outra aldeia, viera buscar as espigas para moer o grão no moinho de água, disse.

Numa altura em que os poucos lavradores da terra  moem o cereal no moinho eléctrico que têm em casa, esta foi uma visão que enriqueceu o meu dia.

Por detrás, a fotografia tem a data: Abril de 1995.

Cristina Ribeiro, 30.09.13

 

                                                                                                 

Na praça do Giraldo, em frente do chafariz, três sobrinhos: no meio, um de cinco anos, ladeado por dois pouco mais velhos; olhando para o petiz fotografado, e para o rapagão de 19 anos, de músculos de pedra, penso que, afinal, já passaram 14 anos...

Mas revejo-nos a sairmos do Turismo, na praça, os adultos com mapas onde cada número indicava um monumento a visitar, e  dele nos dava informação bastante. Aqui o Templo de Diana, ali as ruínas do Palácio de D. Manuel, acolá a janela manuelina da casa de Garcia de Resende...

Nesse primeiro dia da nossa estadia vimos muito, andámos muito, e acabámos a noite num restaurante de uma ruazinha à esquerda da praça, tendo à frente umas muito saborosas migas, e um Cartuxa da adega local. Mas voltaríamos nos dias seguintes para completar em beleza o périplo por aquela cidade, a que havíamos de voltar mais vezes, sempre com o deleite que sentimos nesse Abril já longínquo.

« Ah!, mundo esmagador das recordações, Emendadas umas nas outras, aboiando como de mar sem fundo ! » Tomaz de Figueiredo

Cristina Ribeiro, 30.09.13

... 

 

vem-me à memória a visita ao Museu Carnavalet, onde a História de Paris é acarinhada, desde os seus primórdios.

Era o ano de 1975, e um meu irmão, farto da palhaçada que foi o Serviço Cívico, que antecedia a entrada na Universidade, foi trabalhar para uma Colónia de férias na Suíça. No fim da temporada, fui com os meus pais e uma irmã, buscá-lo a uma estância de ski, perto de Montreux.

Era a minha segunda viagem ao Estrangeiro, e claro que o meu pai, um apaixonado pela História, a nossa, mas também a dos outros, ia aproveitá-la para conhecer, e dar-nos a conhecer, mais um bocado dela.

 

        A selectividade da memória é tão misteriosa...; não sei dizer porquê, nem ninguém mo saberá dizer, certamente, mas de tantas coisas que vimos nessa altura, retive como mais impressiva a visita a esse museu, e, mais concretamente, a pergunta paterna, ao funcionário presente, onde poderia encontrar as cartas da Marquesa de Sévigné...

« O Coração do Minho »

Cristina Ribeiro, 29.09.13
" No Inverno, com as árvores despidas e extensos prados de erva tenra, o Minho é todo verde; em Março, com os valados vestidos de giestas floridas, as bouças tapetadas de tojos em flor, e os campos cobertos de pampilos, o Minho é todo amarelo.
Na Primavera, a seguir às podas, que limpam as árvores e varrem o ar , os campos, esperando novas sementeiras, enchem-se de flores amarelas dos dos pampilos, das roxas soagens, do trevo cor de mosto e do azul descorado dos miosótis bravos, que, vistos de longe, parecem geada.
Depois vêm as lavras em que os dois bois bois barrosãos, de pontas em lira, mansos, a lamber os beiços e a espanejar as caudas, contentes com a toada da cantiga do boieiro jovial que os conduz, aram, com charruas leves, terras escuras adubadas com aquelas flores. ( ... ) Rebentam pereiras, pessegueiros e macieiras, em flores de neve e rosa.
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A terra laboriosa dá pipas de vinho e carros de pão com que se enchem adegas e arcas. Esta riqueza, sim, é farta e certa. 
Terra quanta vejas; casa, em quanta caibas."
Antero de Figueiredo, « Jornadas em Portugal »
 — emFreguesia de Campos, Vieira do Minho.

« Rectificações Históricas »

Cristina Ribeiro, 26.09.13
Sectário espírito, que, naturalmente, dispensava qualquer sentido de rigor investigador, levou a que os escritores do século XIX falseassem a História de Portugal, deturpando factos e deformando, por meio de impiedosas caricaturas, os protagonistas da Política e aquelas antigas instituições que não eram boas por serem antigas, mas eram antigas por serem boas. ( ... ). Dessas histórias do partido vencedor, falseadoras do passado, proveio um estado de errada consciência pública, dado terem como destinatário leitores pouco exigentes, que se contentavam com uma " historiografia " panfletária.
Era a obra do partido francês a sapar as fundações do pátrio edifício tradicional.

( Adaptação de excerto retirado do livro « Modos de Ver », de Hipólito Raposo )

Gratidão.

Cristina Ribeiro, 25.09.13
 ( Casa do Padre António de Azevedo, em Vilarinho de Samardã, onde Camilo passou " os primeiros e unicos felizes annos " da sua mocidade )
 
Viu-se já que a personalidade do autor de Novelas do Minho era tudo menos linear: a par de um marcado lado quezilento, rabugento, mal-humorado, que por quase todos é sublinhado, descobre-se, aqui e ali, uma outra faceta mais dulcificada. É dela também exemplo este, cada vez mais raro, sentimento de gratidão, que Silva Pinto não olvida quando escreve sobre aquele a quem chama Mestre.
 
Refere o escritor que começou por polemizar com o homem de Seide: " No seu livro « Duas Horas de Leitura » diz Camilo: «  Fui educado n'uma aldêa, onde tenho uma irmã casada com um médico, irmão de um padre que foi meu mestre. O mestre podia ensinar-me muita cousa que me falta; mas eu era refractário à luz da gorda sciencia do meu padre prior. ( ... ) A aldêa chama-se Villarinho da Samardan. Demora em Tras-os-Montes, na comarca de Villa-Real, sobranceira ao rio Corrego, no desfiladeiro de uma serra sulcada de barrocaes. ( ... ) O prior era o padre Antonio d'Azevedo. » "
 
 
  Mas já esse mesmo sentimennto não passara despercebido a quem leu « O Bem e o Mal », que Camilo dedica ao seu " professor ": 
                            " Meu amigo
                                            Ha vinte e tres annos que eu vivi em sua companhia.
Lembra-se d'aquelle incorrigivel rapaz de quatorze annos que ia á venda da Serra do Musio jogar a bisca com os carvoeiros, e a bordoada, muitas vezes?
Esse rapaz sou eu; é este velho que lhe escreve aqui do cubiculo de um hospital, muito vizinho do cemiterio dos Prazeres.
Eu sou aquelle a quem padre Antonio de Azevedo ensinou principios de solpha, e as declinações da arte franceza.
Sou aquelle que leu em sua casa as « Viagens de Cyro », o « Theatro dos Deuzes », os « Luziadas », « As Peregrinações de Fernão Mendes Pinto », e outros livros, que foram os primeiros.
Sou aquelle que, sem saber latim, resava matinas e laudas com o padre Antonio.
Sou, finalmente, aquelle a quem o padre Antonio disse: - « o tempo ha de fazer de você alguna cousa. »
Passados vinte e tres annos lembrou-me dedicar este livro ao meu venerando amigo, e rogar-lhe que peça a Deus por mim. "

« Ditoso o Poeta que lançou ao vento esta canção sem fim »

Cristina Ribeiro, 20.09.13
" Preciso de ir beber à fonte dos nossos Cancioneiros a água fresca da Língua donzela, a que canta como zagala, nas bailias ágil, matinal nas albas, marinha nas barcarolas. Verbo que ensaia as asas e chalreia, linguagem a fresco, ela me limpa de crostas sobrepostas de adjectivos, da lazeira dos lugares-comuns.
Ei-la, a mezinha adorável - a nossa língua românica, de linho grosso, a doce e rude. E quantas vezes, lendo autores sábios, me lembro dela como o poeta da namorada: " Que soydade de mha señor hei..."

Parem com isso!

Cristina Ribeiro, 20.09.13

Cumprindo um desejo de meu Pai - que mantivéssemos e, se possível, acrescentássemos a biblioteca que nos legou -, no sábado um irmão adquiriu mais um livro, a que bastava o título para o tornar apetecível. Versa, nem mais nem menos, o excelso labor do padre inglês da congregação religiosa fundada por S. Caetano de Thiene, Rafael Bluteau, que no século XVIII coligiu a lexicografia portuguesa no monumental « Vocabulario Portuguez e Latino ».

Com efeito, na obra de João Paulo Silvestre, ora editada pela Biblioteca Nacional de Portugal, lê-se a dado passo: " Compôs o mais extenso repositório da memória da língua até ser progressivamente substituído pela obra moderna de Morais Silva ".

   Tem tudo para ser um livro daqueles que prendem a atenção de todos quantos se interessem minimamente pela Língua Portuguesa. 

Mas eis que, logo nas primeiras páginas, deparo com um senão que tenho, e felizmente nisso sei que estou muitíssimo bem acompanhada, por intransponível: aderiu ao chamado acordo ortográfico, sendo frequentes os " mamarrachos " como « expetativa ».

                       

                               Meu Deus, até a Biblioteca Nacional!...


Apenas posso desejar que a sensatez resolva visitar aquele palácio para as bandas de S. Bento, que essa monstruosidade seja reduzida a cinzas, e, consequentemente, tal Biblioteca volte a editar este livro, agora em termos decentes...

Se eles não pararem...

Cristina Ribeiro, 20.09.13
" A historia da origem da lingua portugueza é como a historia de todas ou de quase todas as linguas: amalgama de muitos idiomas, rude em sua infancia, polida e culta e mais e mais engrandecida pelos escriptores, pela philosophia e pela necessidade "..
Assim escrevia, em 1870, António Francisco Barata no seu « Advertencias Curiosas sobre a Lingua Portugueza »
                         E se é certo ter ela origem nessa amálgama, viu-se já que a sua fonte primeira é o chamado latim vulgar. É com esse passado matricial que os " desertores " querem acabar. 
Como referiu um comentarista sobre postal versando o mesmo tema, " Com este governo não se pode contar, pois nada da cultura lhe interessa.
Temos de ser nós, os anónimos Portugueses, a escorraçar o aborto ortográfico ! "; mesmo! apenas nos resta resistir, e nessa resistência encontramos, felizmente, nomes de peso nos meios culturais, que nos dizem que a luta não terminou ainda, seja qual for a deliberação dos políticos.

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