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O Tempo Esse Grande Escultor

Um arquivo dos postais que vou deixando no Estado Sentido, mas também um sítio onde escrever outras coisas minhas..Sem Sitemeter, porque pretende ser apenas um Diário, um registo de pequenas memórias...

O Tempo Esse Grande Escultor

Um arquivo dos postais que vou deixando no Estado Sentido, mas também um sítio onde escrever outras coisas minhas..Sem Sitemeter, porque pretende ser apenas um Diário, um registo de pequenas memórias...

Subtil ironia.

Cristina Ribeiro, 07.01.13
 
Uma das " acusações " mais frequentemente feitas a Camilo, a mais das vezes por comparação com o sarcasmo Queiroziano, é a da ausência de ironia nos seus escritos. Injustíssima acusação. Mesmo sem recorrer às muitas polémicas, em que essa faceta é por demais evidente, mesmo lendo um dos seus romances mais ou menos " sentimentais ", como o que tenho em mãos, « Um Homem De Brios », ela lá está bem presente. Agora mesmo não pude conter um sorriso ao ler o seguinte passo " As mulheres faladoras, santo Deus! Que zanga eu tenho às mulheres faladoras ( ... ). Para mim é caso averiguado que a minha leitora é das pessoas mais qualificadas e espirituosas que eu conheço. Está morta por dizer em duzentas e cinquenta palavras que a mulher palreira é um ente insuportável. "
Uma delícia!...

De quando Portugal era grande...

Cristina Ribeiro, 07.01.13
 
" ( ... ) Os dous peregrinos caminharam hora e meia sem dizerem palavra, ora através de espessos e cerrados bosques, ora por entre extensos campos cultivados. Por fim pararam. Haviam chegado ao topo de uma alta collina, que abraçava, de sul a poente, um extenso e dilatado valle. ( ... ) Destacava uma igreja ghotica. Sobre a frontaria da igreja campeava a cruz de oito pontas dos cavalleiros da Ordem militar do hospital de São João Baptista de Jerusalem, conhecida seculos depois pelo nome de Ordem de Malta "
Arnaldo Gama, « O Balio de Leça »
 
No início dos anos 30 do séc. XX, encontrando-se a igreja " do antigo mosteiro de Leça do Balio tam abatida da sua passada grandeza, em estado de abandono e progressiva ruina " decidiu o ministério das obras públicas proceder à sua restauração. E se bem o pensou, melhor o fez, devolvendo-nos o edifício grandioso que hoje podemos apreciar.
E para que melhor o apreciemos, no Boletim aqui presente, dedicado a este monumento - entre muitos então reconstruídos - encontramos , em linhas gerais, uma « Notícia Histórica »:
" Ao norte do Pôrto, num dos pontos extremos da zona suburbana que entesta com aquela famosa Terra da Maia, onde entranharam forte raíz solarenga os ascendentes de um dos mais gloriosos construtores da nacionalidade - o Lidador -, ergue-se, nobilitado pela rara beleza que conserva e pela sua antiga história, um monumento que constitue, talvez, o mais notável exemplar da nossa arquitectura guerreiro-religiosa do século XIV. É a igreja de Santa Maria de Leça do Bailio.
Em volta dessas paredes, que o tempo denegriu, ergueu-se outrora, dominadoramente, o vasto mosteiro acastelado dos monges-cavaleiros da Ordem de S. João de Jerusalém; dali partiram muitos dos que auxiliaram os nossos primeiros reis na reconquista das terras ocupadas pelo invasor sarraceno; ali escutaram D. Afonso Henriques e D. Mafalda, sua mulher, as narrativas dos freires recém-chegados da Terra Santa; ali se realizou o casamento de D. Fernando com D. Leonor Teles; ali ecoou a voz de Nun'Álvares nas horas agitadas que precederam o triunfo de Aljubarrota ..."

"Minhas mágoas eram negras, Negras ficaram as águas "...

Cristina Ribeiro, 07.01.13
 

A ortografia é um fenómeno da cultura, e portanto um fenómeno espiritual. O Estado nada tem com o espírito. O Estado não tem direito a compelir-me, em matéria estranha ao Estado, a escrever numa ortografia que repugno, como não tem direito a impor-me uma religião que não aceito ", Fernando Pessoa.
 
    Sempre que leio na televisão aberrações como " direto ", " atualidade ", " redação " (...), dou comigo a pensar, como o jornalista: esta " não é a língua portuguesa que amo e que é parte importante de mim. " Por esta razão já me chamaram fundamentalista - nesta matéria, e, já agora, noutras que tenho como afins, sou; assumidamente, sou.

Bem do fundo da memória.

Cristina Ribeiro, 07.01.13
 
Da primeira visita à Casa de Ceide, era muito pequena ainda, ficaram-me duas coisas: uma, já o disse, foi aquela cadeira de baloiço;  a outra era uma imagem mais esbatida ainda, mas que sempre me intrigou - poderia, deveria, mais tarde, ter satisfeito a curiosidade, mas, não sei porquê, pois que nem é esse o meu costume, não o fiz: lembro uma taça cheia de bolinhas de papel amarelecido, mas, talvez porque fosse grande a impressão causada pela cadeira onde o escritor se suicidou, não ouvi a explicação do guia.
Há dias, lia as últimas páginas de um livro de Bulhão Pato, « Sob os Ciprestes », achei que tinha descoberto a proveniência desses papéis.
São essas últimas páginas dedicadas a António Feliciano de Castilho, a quem Bulhão tratava por Mestre, e que, tal como os outros citados no livro, dormia já à sombra dessas árvores.
Fiquei a saber que o escritor cego tinha o hábito de, sempre que tinha as mãos desocupadas, cortar fitas de papel, que depois enrolava até fazer com elas pequenas bolas.
Ora, Castilho era um grande amigo de Camilo, e visitou-o na casa perto de Famalicão. Não custa a crer que, a mesma Ana Plácido que mandou erguer o obelisco em honra do Poeta, tenha guardado esses papéis como recordação dessa visita...