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O Tempo Esse Grande Escultor

Um arquivo dos postais que vou deixando no Estado Sentido, mas também um sítio onde escrever outras coisas minhas..Sem Sitemeter, porque pretende ser apenas um Diário, um registo de pequenas memórias...

O Tempo Esse Grande Escultor

Um arquivo dos postais que vou deixando no Estado Sentido, mas também um sítio onde escrever outras coisas minhas..Sem Sitemeter, porque pretende ser apenas um Diário, um registo de pequenas memórias...

Aproveitaria a ida à vila, em dia de feira,

Cristina Ribeiro, 26.11.09

 

para dar um pulo à farmácia. Durante toda a noite não tinham pregado olho. O seu homem - coitado! - não tinha mais forças para tossir. Sempre haviam de aviar-lhe qualquer coisa que o aliviasse. Já tentara com todas as mezinhas caseiras, aprendidas da mãe, e nada ainda. Lá chegada foi atendida - muito gentilmente, é verdade ! - por uma moça que logo lhe despachou um xarope que o ia " pôr bom enquanto o diabo esfrega o olho ". Mas não pôde impedir-se de pensar no Se Belino da Botica - era assim que todos o conheciam -; lá, na botica, juntavam-se todos à roda do balcão, os rapazes que andavam de olho nelas... Sorriu ao lembrar aquela vez em que lá fora, por via de um remédio para as atrozes dores de cabeça do pai, era ainda solteira, e, a um sinal, que lhe não passara despercebido, do Se Belino, o único que a vira entrar, virado que estava para a porta, todos se calaram; também lá estava o seu Joaquim, a quem acabaria por dizer " Sim " na igreja.

 

Enxotou um mosquito imaginário, que lhe entrara nos olhos, o malvado.

Ana, ó Ana.

Cristina Ribeiro, 26.11.09

 

Havia já uns bons cinco minutos que ouvia a mãe a chamá-la. Eram, bem o sabia, mais do que horas de levar o comer à bicharia - o balde da lavadura que estaria já pronto para os porcos, o milho para as galinhas... Mas queria lembrar, mais um bocado que fosse, o dia anterior, a tarde lá na Senhora da Saúde. Que não, que não ia; queria aproveitar a tarde de Domingo, livre dos muitos afazeres que lhe tomavam o tempo todo, e acabar a toalha que andava a bordar para a madrinha - fazia anos daí a dois dias! -, dissera quando as amigas a foram desafiar - está um dia tão lindo! ; até é pecado ficares assim p'ráqui - Mas foi. E agora aquele sorriso... Lá chegadas, logo se aproximou o bando de rapazes que já se encontravam, encostados à parede da ermida. Entre eles, o António, que sempre que por ela passava dava os bons dias de uma maneira que a fazia deitar os olhos ao chão, numa tentativa de esconder o rubor que sentia espalher-se-lhe pela cara. Mas agora, depois das boas tardes dadas, perguntava-lhe se não queria ir juntar-se aos dançarinos que rodopiavam no terreiro. Que fosse, elas iam já de seguida, empurraram-na as amigas. E depois...

 

- Pronto, mãe, já vou! E o sorriso continuava a dança da véspera.