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O Tempo Esse Grande Escultor

Um arquivo dos postais que vou deixando no Estado Sentido, mas também um sítio onde escrever outras coisas minhas..Sem Sitemeter, porque pretende ser apenas um Diário, um registo de pequenas memórias...

O Tempo Esse Grande Escultor

Um arquivo dos postais que vou deixando no Estado Sentido, mas também um sítio onde escrever outras coisas minhas..Sem Sitemeter, porque pretende ser apenas um Diário, um registo de pequenas memórias...

Difícil, a moçoila,

Cristina Ribeiro, 20.10.09

 

dizia de si para si o Jerónimo, encostado ao carvalho, enquanto mirava, disfarçadamente, o grupo de dançarinos, que se formara no terreiro, assim que se ouvira o som da concertina e do cavaquinho. De palha na boca, a brincar com o ramo de alfádega, num fingimento de nada lhe importar, ia botando os olhos à Mariana: que arisca lhe saira...

Mas eis que os olhos dos dois se encontram, deixando-a mais vermelha do que uma romã...

Ah ! então é isso ; estás a fazer-te de cara...; sempre o meu pai me disse que quem desdenha quer comprar...".

Bem Júlia, fecha a porta, que eu cá fico a conversar comigo ( ... )

Cristina Ribeiro, 20.10.09

 

A conversar com ela própria, bem a senhora o tinha dito. Passada certa idade, as pessoas vêem sempre à roda um nevoeiro de sombras, vivem de diante para trás. Então naquela noite...Rezara e rezara, fiara e fiara, até espiar a roca, fora finalmente deitar-se, por ter de ser, quando não pouco tardaria em trazer as horas trocadas: o dia a ser noite, a noite a ser dia. Um nevoeiro de sombras... E então naquela noite, em que dera e redera voltas na cama, em que ouvira todas as badaladas do relógio, até ao luzir da manhã... Que temporal ia fora, Santo Nome do Senhor ! Pois quem houvera de o cuidar, depois de tão quieto dia de sol ! Pelo alto bem ouvira grasnar corvos, sim, já era sinal de ventaneira brava, de trovoeira grossa"

( "Insónia" - «Novelas e Contos» de Tomaz de Figueiredo )

 

Mais um livro do Mestre minhoto, a fazer as delícias... Abrir o volume à sorte, e encontrar sempre este purismo na escrita, esta limpidez na linguagem.Ouvir gente nossa a falar de coisas nossas...

 

« Se era fogo? Pois era.

Cristina Ribeiro, 20.10.09

 

Ali numa daquelas casas só de lojas e de guerindés no telhado ». Um vocábulo mais que me era desconhecido. Não, nunca o tinha visto mais gordo, em palavra escrita, ou sequer ouvido. Como sucede quando leio Camilo, o Dicionário é a todo o instante folheado. Mas nanja! E foram vários a que perguntei. Esqueço; - "perguntarei a uma pessoa mais antiga, pode ser..." É então que, logo a seguir, o Tomaz vem em meu auxílio: « Que são guerindés? Aquilo que chamais mansardas, e devíeis chamar trapeiras, ao menos. E guerindés até parece que os estamos a ver. Dessas tais palavras que falam...».

 

Novembro de 2008

« Há tanto tempo a não via, e que saudades, Deus meu »

Cristina Ribeiro, 20.10.09

 

A meio da manhã resolvi passear um bocado por esses caminhos, desfrutar deste tempo magnífico com que São Martinho nos tem presenteado; emociona tanta beleza: no céu, muito azul, mas também nas árvores, cujas folhas adquiriram cores que vão do vermelho escuro ao dourado, passando pelo laranja... Estava neste contemplar, e embrenhada nestes pensamentos, quando vejo passar uma carroça, puxada por um burrico, carregada de sacos que logo vi estarem cheios de milho: o moleiro, de uma outra aldeia, viera buscar as espigas para moer o grão no moinho de água, disse. Numa altura em que os poucos lavradores da terra moem o cereal no moinho eléctrico que têm em casa, esta foi uma visão que enriqueceu o meu dia.

 

Novembro de 2008

Era na Casa do Forno (1)

Cristina Ribeiro, 20.10.09

 

Que, ao Sábado de manhã, quando a disponibilidade era maior, a minha mãe cozia a broa. O longo processo começava-o muito cedo: antes do mais, aquecer bem o forno, com a lenha já pronta de véspera; seguia-se o peneirar da farinha, normalmente de milho e centeio, para a masseira, a que juntava água quente e um poucochinho de sal. Depois, de mangas arregaçadas, punha toda a sua força no acto, cansativo, de amassar Juntava um pouco de fermento, um pedaço de massa da semana anterior, que entretanto azedara, e deixava esta mistura descansar umas horas, a fim de levedar. Enquanto isso, o forno já quente precisava de ser " limpo": retirada das brasas maiores, para que não queimasse o pão, com a ajuda de um gancho encabado num pau comprido. Embolava então uma porção de massa na emboladoira- uma gamela de madeira- , na qual fazia uma cruz, e metia-a no forno já rubro. Depois de, com a ajuda de uma comprida pá de madeira, meter todas as broas no forno, era altura de o fechar com os restos de massa. Horas depois estavam prontas para serem retiradas, com a mesma pá, sendo que essa fornada haveria de dar para a semana toda, depois de se distribuirem algumas broas pelos vizinhos e familiares.

« Aqui nada mudou.

Cristina Ribeiro, 20.10.09

 

As árvores têm a gravidade solene de velhas senhoras que viveram já muitos Invernos, a serra a solidez das coisas eternas, as aves e as águas cantam debaixo do céu sereno. Mais sábia de que os homens, a Natureza rege-se por leis antiquíssimas e imutáveis. As mudanças radicais são contrárias à Natureza» ( João Bigotte Chorão, in « Diário Quase Completo» )

 

Tenho para mim que na vida devemos esquecer algo e aprender outro tanto, moldando-nos ao passar do tempo, mas mantendo o essencial. Assim o faz, sabiamente, a Natureza, que acompanha o movimento do sol, adaptando-se à luz, mas se mantém firme no seu lugar, com " a solidez das coisa eternas"; claro que por vezes uma ventania mais forte arranca a árvore pela raiz , mas a sua sabedoria vai ao ponto de ter lançado à terra sementes que logo substituirão a que fora destruída por forças exteriores.

Ainda a propósito das pessoas de S. Martinho de Sande, a terra dos meus pais,

Cristina Ribeiro, 20.10.09

 

 e de toda a região circundante, rumaram, nos anos sessenta, a França e à Alemanha em busca de " uma vida melhor"- era pequena e ouvia, todos os dias, os adultos comentarem: "- Fulano foi ontem a monte para França; - E sicrano foi anteontem", acrescentava alguém - ; era gente sem qualificações profissionais. Hoje esta vaga de emigração repete-se; só que, além dessas mesmas pessoas desprovidas de qualificações- tem sido enorme a sangria com destino ao Mónaco, mormente- vou ouvindo de muita gente preparada, com cursos superiores, nomeadamente, que segue caminhos idênticos.

 

" Sem dúvida alguma um dos maiores estadistas do século XX:

Cristina Ribeiro, 20.10.09

                                                    

                                       Emir Faisal - Rei do Iraque ( 1921-1933 )

 

inteligente, realista, aplicado, conciliador. Hussein da Jordânia foi sempre - notou-o Falacci quando o entrevistou - um homem simples " .

 E é inevitável que a leitura deste post no Combustões me faça pensar no que poderia ser hoje o Iraque com um hachemita no trono.

 

 

E, revisitando essa época, lembro que vi, mais do que uma vez, o filme que David Lean dirigiu, mas que nunca li o livro que o inspirou.

 

Novembro de 2008

 

                  *Agora já o tenho, mas ainda não o li.

Tem razão Fernando Pessoa.

Cristina Ribeiro, 20.10.09

 

Por vezesé um prazer  ter um livro para ler e não o fazer acontece: quando achamos maior prazer em escrevinhar aqui alguma coisa, para continuarmos com a sensação de que estamos ligados por ondas invisíveis. Hoje, porém, de bom grado trocaria, pudesse eu, este pelo de assistir ao lançamento do livro com que António Manuel Couto Viana comemora os sessenta anos de vida literária: «Os Despautérios do Padre Libório e Outros Contos Pícaros» Resta-me, então, numa próxima ida à Livraria trazê-lo comigo.

 

Novembro de 2008

Amanheceu um pouco cinzento.

Cristina Ribeiro, 20.10.09

 

 A vontade de sair do remanso aconchegado do sofá , onde terminei agora mesmo um daqueles pequenos almoços demorados, próprios de fins-de-semana, em que sabemos ter o tempo todo por nossa conta, é nenhuma. No ar, as «Cantatas» de Bach, interpretadas pelo «The Monteverdi Choir», com a direcção de John Eliot Gardiner. Não está tempo ainda para acender a fogueira na lareira, mas o corpo agradece aquele calorzinho que vem dos radiadores. Desculpas que se inventam para não ir já ao mercado "ainda agora tomei o pequeno almoço, é cedo para pensar já na outra refeição"... Começar nova leitura, mas a preguiça não deixa levantar para procurar nas estantes o livro que se segue- conto até três e lá vou eu.

 

Novembro de 2008

Tapar o sol com a peneira.

Cristina Ribeiro, 20.10.09

Como é que é possível pessoas, supostamente responsáveis, pensarem, sequer, que este modo de passagem administrativa ( e esta expressão traz más memórias, como por exemplo a do bendito Serviço Cívico, que fez um irmão mais velho escapulir-se para a Suíça ) vai ajudar um aluno que vive uma situação sócio-familiar grave? Tem todo o aspecto da tão portuguesa forma de " passar a batata quente ", sem perdas de tempo nem chatices. Mais uma acha para a fogueira que ameaça tornar-se um inferno: o Ensino em Portugal, que, enquanto alicerce de um edifício que é um país, ao deteriorar-se assim, ameaça tudo desmoronar.

 

 

Julho de 2009

Vinda ao Continente dos meus anfitriões,

Cristina Ribeiro, 20.10.09

 

 aquando da estada naquelas ilhas longínquas no meio do Atlântico. Fazem-me vacilar, quanto aos ainda inexistentes planos de férias, nos oito dias depois do Natal: " o vento e a chuva faialenses já os conheces, já não serão surpresa; a temperatura é sempre amena" . E, dentro de mim, oiço uma voz: "tu gostaste daquilo; aquela lareira na casinha azul e branca frente ao mar chama-te- do que é que estás à espera?" Digo-lhe:  " não me apresses".

 

Novembro de 2008