"- Bem, Júlia, fecha a porta
O que eu cá fico a conversar comigo.(...) A conversar com ela própria, bem a senhora o tinha dito. Passada certa idade, as pessoas vêem sempre à roda um nevoeiro de sombras, vivem de diante para trás. Então naquela noite...Rezara e rezara, fiara e fiara, até espiar a roca, fora finalmente deitar-se, por ter de ser, quando não pouco tardaria em trazer as horas trocadas: o dia a ser noite, a noite a ser dia.
Um nevoeiro de sombras... E então naquela noite, em que dera e redera voltas na cama, em que ouvira todas as badaladas do relógio, até ao luzir da manhã... Que temporal ia fora, Santo Nome do Senhor ! Pois quem houvera de o cuidar, depois de tão quieto dia de sol ! Pelo alto bem ouvira grasnar corvos, sim, já era sinal de ventaneira brava, de trovoeira grossa"
( "Insónia" - «Novelas e Contos» de Tomaz de Figueiredo )
Mais um livro do Mestre minhoto, a fazer as delícias...
Abrir o volume à sorte, e encontrar sempre este purismo na escrita, esta limpidez na linguagem.Ouvir gente nossa a falar de coisas nossas...