Era muito novinho quando veio cá pra casa.
Como todos os cachorrinhos, o Gauguin era muito brincalhão e roía tudo o que lhe aparecia pela frente, Meigo, muito meigo, como muitos dos da sua espécie, especialmente os Labradores.
Foi crescendo, sempre muito acarinhado por todos, até atingir o porte que hoje é o dele: um cão imponente, com um olhar aquoso que desperta a ternura do humano mais indiferente. Foi por essa altura que uma companheira se lhe veio juntar: a Siena. Encontrada na rua, uma bela cadela castanha -cor - de - pinhão, que contrastava com o branco - marfim do Gauguin. Foi amizade ao primeiro olhar e logo se tornaram inseparáveis: onde estava um, era certo encontrarmos a outra.
Faziam as delícias dos condutores, quando, logo de manhã, iam para um lugar sobranceiro à estrada, de onde viam os carros passar. E era como se estivessem a ver um jogo de ténis, olhando ora para um lado, ora para outro,observando o movimento nos dois sentidos. O tempo ia decorrendo, num contentamento partilhado, até que a tragédia veio, abruptamente, pôr um fim a tão perfeita comunhão: gostavam de vez em quando, de atravessar o portão e andar pelos montes, mas sempre voltavam, muitas das vezes esfomeados, depois de incursões cansativas, Mas um dia não foi assim, e a Siena foi atropelada.Tristeza de nós todos e profunda solidão do Gauguin, que passou dias sem comer, ele que come tudo o que lhe aparece pela frente: não podia saber o que se tinha passado com a amiga...
Outros cães e cadelas vieram depois, atenuando a perda, mas nunca aquela amizade se repetiu.
Hoje, com 13 anos, o Gauguin está velho e surdo. Mas continua aquele cão muito meigo, que, assim que vê algum de nós, se deita com as patas para o ar, para que façamos carícias na barriga.Quando, de manhã, uma irmã vai correr, o Gauguin vai sempre atrás dela. Acompanha-o a Gorki, uma cadelinha preta, que por ser mais nova o provoca constantemente para a brincadeira; por vezes o Gauguin alinha, mas, sentindo o peso dos anos, nem sempre está para a aturar.