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O Tempo Esse Grande Escultor

Um arquivo dos postais que vou deixando no Estado Sentido, mas também um sítio onde escrever outras coisas minhas..Sem Sitemeter, porque pretende ser apenas um Diário, um registo de pequenas memórias...

O Tempo Esse Grande Escultor

Um arquivo dos postais que vou deixando no Estado Sentido, mas também um sítio onde escrever outras coisas minhas..Sem Sitemeter, porque pretende ser apenas um Diário, um registo de pequenas memórias...

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Cristina Ribeiro, 03.10.13

As primeiras fotografias do álbum mostram um bebé no meio de quatro rapazes mais velhos, nos penedos da praia da Póvoa de Varzim. Mais tarde viriam as irmãs. Foi aí que passei todos os meses de Setembro, até aos dezasseis anos. Junho era o mês em que a mãe tratava de arrendar a casa. Quando encontrámos a ideal, passou a ficar reservada para o ano seguinte, o que faciltou muito as coisas. Era um mês inteirinho de brincadeiras com os amigos que se encontravam todos os anos, no sítio do costume. É com um grande sorriso que relembro aqueles dias, sempre tão cheios, em que até os banhos na água gelada eram motivo de alegria e algazarra saudável. Ao banho de mar seguia-se o ritual, ansiosamente esperado, do "pãozinho de leite ó pastéis fresquinhos", anunciados pelas mulheres de branco e de cesto de vime, logo rodeadas pela criançada toda. Mais fundo na memória, só o gemido da ronca, que, nas manhãs de nevoeiro, guiavam os barcos, e nos anunciava que naquele dia tudo começaria mais tarde. Saíamos da praia já com o sol quase a tocar no mar, mas sempre com a sensação de que era ainda pouco.
( já editado )


Passaram vários anos até voltar a passar as férias na praia, trocada por uma quinta em Valença do Minho. Também o mês já não era o de Setembro, mas o de Agosto, e seria em Agosto que, passados anos, iria voltar à praia, mas agora a praia já não era a da Póvoa de Varzim; a de A Ver- o-Mar era mais sossegada, e era ali vizinha, um pouco mais a Norte...
Não demoraria muito, porém, e senti o cansaço da praia- era o chamamento do campo, da natureza verde das árvores e das serras. Voltei agora ao mar e a Setembro, que, como dizia um título de Odette de Saint-Maurice, continua a ser " um grande mês ".

Vinha da praia; um daqueles momentos

Cristina Ribeiro, 01.11.10

que nos põem um sorriso nos lábios. O sol escoava-se já por entre as árvores, espalhando em redor uma luz  entre o laranja e o vermelho. Olho para o lado, onde uma figueira de grandes proporções, carregada de figos, me chama a atenção, e é-me dado ver um quadro que qualquer pintor gostaria de fixar com as tintas da sua paleta: prestes, talvez, a recolher as ovelhas, que comiam a última refeição do dia, um pastor dormitava debaixo da árvore. No seu regaço, pousava o focinho de um cão, também ele de olhos semicerrados.

Furiosa comigo mesma: lembrei-me de que não trazia a máquina fotográfica.

A esta hora, depois de uma noite no esplendor

Cristina Ribeiro, 01.11.10

do clima Algarvio, entre amigos, apetecia-me mesmo era, « Pela Noite Dentro », ouvir, bem alto, uma ópera bem cantada; « La Boheme », talvez.

Pensando bem, só uma algumas árias; « Che Gelida Manina », sem dúvida. Mas o meu velho portátil não deixa. Fazer o quê? Voltar para a varanda, sentir a pequena brisa que entretanto se levantou, sentar-me no meio do silêncio, que só permite o  som de uma rela com insónia, e viajar até ao Scala, onde, por  certo, terei à espera um Rudolfo que se empenha em aquecer a mão gelada de uma Mimi, frágil, frágil ( mão fria, coração quente, diz-se ).

Vai ser uma experiência única, embora corra o risco de gelar também, esquecida do frio da madrugada.

Dez de Agosto. Primera tarde na praia.

Cristina Ribeiro, 20.04.10

 

                                                                                                 

 

Do saco tiro o livro de Camilo «  O Senhor do Paço de Ninães » .Começa o escritor por dizer que " Estamos no Minho, o leitor e eu ". Ora eu tinha-o deixado de manhã bem cedo, mas foi fácil a ele voltar, tão fresco estava na retina, e andar " um quilómetro, em vinte minutos, se não ( parei ) algumas vezes a respirar o acre saudável das bouças, e a ver o pulular dos milharais e a ouvir as toadas das seareiras que cantam. ".  Não, acho que demorei mais tempo, não só para este cheirar, ver e ouvir, mas também porque o calor de Agosto pedia que molhasse os pés em todos os riachos que fosse encontrando, que muitos são na " légua andada de Vila Nova de Famalicão até Guimarães ".O espírito voou até lá; o corpo, esse, continuava a sentir o sol de fim de tarde.Na região mais longínqua do país. Os dois, espírito e corpo, haviam de se encontrar, quando guardei o livro no saco.

Férias ( 2 )

Cristina Ribeiro, 12.10.09

As primeiras fotografias do álbum mostram um bebé no meio de quatro rapazes mais velhos, nos penedos da praia da Póvoa de Varzim. Mais tarde viriam as irmãs. Foi aí que passei todos os meses de Setembro, até aos dezasseis anos. Junho era o mês em que a mãe tratava de arrendar a casa. Quando encontrámos a ideal, passou a ficar reservada para o ano seguinte, o que faciltou muito as coisas. Era um mês inteirinho de brincadeiras com os amigos que se encontravam todos os anos, no sítio do costume. É com um grande sorriso que relembro aqueles dias, sempre tão cheios, em que até os banhos na água gelada eram motivo de alegria e algazarra saudável. Ao banho de mar seguia-se o ritual, ansiosamente esperado, do "pãozinho de leite ó pastéis fresquinhos", anunciados pelas mulheres de branco e de cesto de vime, logo rodeadas pela criançada toda. Mais fundo na memória, só o gemido da ronca, que, nas manhãs de nevoeiro, guiavam os barcos, e nos anunciava que naquele dia tudo começaria mais tarde. Saíamos da praia já com o sol quase a tocar no mar, mas sempre com a sensação de que era ainda pouco

 

Férias ( 1 )

Cristina Ribeiro, 12.10.09

 

A partir dos dezassete, e durante alguns anos, passei todos os meses de Agosto numa quinta em Valença do Minho. As manhãs, por vezes, eram passadas na praia de Moledo, reservando as tardes para passeios pelos arredores, leituras e banhos na piscina. Fim de tarde, começo da noite, rumávamos a Tui, onde, naquelas noites de temperaturas bem agradáveis, jantávamos ao ar livre num restaurante/tasca bem aprazível. Mas ocasiões houve, em que, juntamente com as irmãs e alguma amiga, saíamos da pequena mas muito acolhedora estação de comboio da vila, de manhã bem cedo, com o farnel preparado na véspera, e íamos até Caminha, Monção ou Ponte da Barca. Foi a altura de conhecermos o Alto Minho com o vagar e a atenção que ele merece.