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O Tempo Esse Grande Escultor

Um arquivo dos postais que vou deixando no Estado Sentido, mas também um sítio onde escrever outras coisas minhas..Sem Sitemeter, porque pretende ser apenas um Diário, um registo de pequenas memórias...

O Tempo Esse Grande Escultor

Um arquivo dos postais que vou deixando no Estado Sentido, mas também um sítio onde escrever outras coisas minhas..Sem Sitemeter, porque pretende ser apenas um Diário, um registo de pequenas memórias...

Carta do Minho

Cristina Ribeiro, 24.02.16

" Tenho uma imagem do Câvado guardada para sempre no olhar, que não se cansa de recordá-la. Agosto no fim, já não era dia e ainda não chegara a noite. Vínhamos de Braga, era tarde. (...) Entrava já na estreita ponte sobre o rio e logo o espectáculo me obrigou a esquecer qualquer veleidade de pressa e a deixar o carro adormecer suavemente, aos poucos, até parar entre os muros roídos do tempo e dos abalos. O verde da outra margem diluía-se nas águas azuis sobre as quais o sol despedia uma luminosidade fugitiva " Luís Forjaz Trigueiros, in « Paisagens Portuguesas- Uma Viagem Literária » E no fim da ponte, velhinha no seu granito por onde o verde das ervas espreita, encontrou o escritor, quero imaginar, na manhã seguinte, se aí pernoitou, uma simpática Vila de Prado, de onde saíam em alegre algaraviada, coloridos ranchos de lavadeiras, com trouxas de roupa à cabeça, em direcção ao rio. A minha avó ainda me falou delas, e a ponte está lá, testemunha desta azáfama toda. As águas é que serão outras...

<< Alto Minho >>

Cristina Ribeiro, 24.02.16

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" No cumprimento de uma promessa há anos feita ao meu dilecto amigo Júlio de Lemos, botei-me uma tarde de Verão, há três anos, por aí acima, no rápido do Porto, até S. Pedro da Torre. Uma vez no largo da pequena estação, espero pacientemente que se atrelem as pilecas dos três carros da carreira, enquanto se carregam nos tejadilhos e nas boleias, as pesadas caixas, os sacos e as trouxas de um magote de forasteiros que vêm das festas da Agonia, de Viana, e regressam a penates depois dos banhos que a prescrição médica lhes impôs. ( ... ) Num deslado, abre-se a boca da estrada poeirenta, cortando a direito pelo meio dos campos de lavradio, até à base da primeira serrania que limita o horizonte, fechando as planuras numa bacia ardente donde a vegetação dos milharais vaporiza as ténues lenturas de um estio rigoroso. A esbeiçar com o largo fica a recolha do gado da carreira, com sua taberna anexa, sobre a entrada da qual uma parreira espreguiça, em pernadas vigorosas, tufos de folhagem opulenta.................................................................................................................................................................... Seguimos por uma garganta de barrancos ensilveirados ( ... ) Depois... o deslumbramento que volta, o sol que triunfa, e aí torna o sonho inefável da paisagem aberta numa concha imensa de encantos em que o olhar doidamente mergulha, arrastando na aventura sonhadora o espírito maravilhado, a alma ansiosa! ........................ Paredes de Coura! Paredes de Coura! É isto realmente um sonho, ou juntou aqui a Natureza os encantos e as graças nunca vistas de um paraíso terreal? " Oscarr de Pratt, « Limiana » Dizia o escritor de Arcos de Valdevez que morria de amor pelo seu pátrio Minho; além de por ele morrer de amor, morro de saudade pelo Minho que vislumbrei nos anos sessenta, inícios dos setenta, do século passado. Claro que não me refiro já a esse Minho de que nos fala Oscar Pratt, quase contemporâneo do « Minho Pitoresco » de José Augusto Vieira, aonde fui buscar a imagem acima, mas era ainda um Minho cheio dele, desse pitoresco bucólico e feito sem pressas, em que tudo era saboreado ao ritmo do lento crescer da árvore ou da erva, onde pachorrentamente pastava o gado, e, ao lado, o lavrador ia semeando as batatas, enquanto os filhos bebiam o leite a fumegar directamente das tetas da vaca, de olhar sonhador e barriga satisfeita. Saudades dele!

O regionalismo na poesia

Cristina Ribeiro, 24.02.16

Vendo-os assim tão pertinho / a Galiza mail’ o Minho / são como dois namorados / que o rio traz separados / quasi desde o nascimento.// Deixal-os, pois, namorar / já que os paes para casar / lhes não dão consentimento ( João Verde ).

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( O rio Minho em Valença - Illustração Portugueza )

" Em João Verde é nos ' Ares da Raya ' que o seu espírito regional se demonstra mais evidentemente. ( ... ) Os seus versos são todos de lisonja sincera para as belezas rústicas da sua terra. No agrado com que canta os pinheirais, o toque das trindades, o rio Minho, o campo-santo, as raparigas minhotas, a viola e a flor-de-linho, vê-se a doce e alegre paisagem do nosso Minho, a Galiza vizinha, namorados eternos que o rio constantemente separa, segundo ele... ( ... ) Só João Verde, à semelhança dos cantares de Rosalia de Castro, nos deixou a alma raiana, às escâncaras, no seu pitoresco impressionante. ( ... ) Joao Verde, pelo perfume nacional e regional que deixou nas suas poesias pela facilidade da sua inspiração fecunda, pelos seus próprios considerandos líricos, ficará na nossa literatura como um dos maiores, senão o maior, dos líricos regionais. Porque o regionalismo em poesia é mais uma prova da natureza lírica, superiormente lírica, dos seus cultivadores " . Manuel Anselmo in Arquivo de Viana do Castelo