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O Tempo Esse Grande Escultor

Um arquivo dos postais que vou deixando no Estado Sentido, mas também um sítio onde escrever outras coisas minhas..Sem Sitemeter, porque pretende ser apenas um Diário, um registo de pequenas memórias...

O Tempo Esse Grande Escultor

Um arquivo dos postais que vou deixando no Estado Sentido, mas também um sítio onde escrever outras coisas minhas..Sem Sitemeter, porque pretende ser apenas um Diário, um registo de pequenas memórias...

« Ah!, mundo esmagador das recordações, Emendadas umas nas outras, aboiando como de mar sem fundo ! »*

Cristina Ribeiro, 26.02.14
A leitura deste postal trouxe-me à lembrança um período feliz da minha vida, no já remoto ano de 1981: era Agosto e tinha acabado de fazer o meu 2º ano de Direito. A insegurança ( sempre ela! ) fazia-me duvidar de uma nota que vira na pauta: " não me terei enganado? ", perguntava-me. Tinha de ver novamente!, e como à época ainda nem imaginava o computador, a internet, o remédio foi pôr os pés ao caminho, aproveitando uma boleia do pai que, por motivos de trabalho, viajava por essa altura até Lisboa.
Confirmar a nota foi questão de minutos, e não sabia  o que fazer numa cidade tão quente, enquanto o meu pai ia aos seus afazeres... 
Foi então que me propôs a leitura de um livro que um amigo acabara de lhe enviar: tratava-se do primeiro volume ( a que depois se juntariam mais dois ) das Memórias da Mãe desse amigo. Editado pela saudosa livraria-editora bracarense PAX tinha por título genérico « Uma Vida Qualquer » e eu, que nunca ouvira falar da autora, deliciei-me com a vida cheia de uma Senhora que nascera nos Açores, em S. Miguel, em 1904, e era sobrinha bisneta do líder do partido regenerador, Hintze Ribeiro. 
Tratava-se da mãe daquele dr. Augusto de Atayde, sobre o qual já ouvira de meu pai tantos louvores.
* Tomaz de Figueiredo

Um dicionário único ( 2 )

Cristina Ribeiro, 25.02.14
 
« Licante »?; « Lapador »?; « regateiras-de-Abril »?; « arroz de goldras »?; « comer focinho de porco »?.........................
 
 
Livro póstumo, este, publicado em Dezembro de 1970, mas sobre o qual João Araujo Correia havia já escrito dois anos antes, n'O Comércio Do Porto, porque, necessariamente, acompanhara a sua génese, a sua elaboração, fruto do " enamoramento pelo vocabulário regional ainda vivo nos Arcos de Valdevez [ " terra de coração " do escritor bracarense ] e, aqui no Douro, em Aldeia de Cima, donde é oriundo, por qualquer costela, e aonde vem, de tempos a tempos, visitar Fausto José ".
 
São termos e expressões que colhe junto do povo, e que, por mais que procure a sua origem e sentido, esbarra com o silêncio dos dicionaristas, os quais " por vezes,sabem ainda menos que um - apre, que analfabetos! - e outras, frequentes, dão raia. ..."; é ainda junto desse povo chão que ele busca, e encontra, as tão apetecidas significâncias.
 

Combatiam o partidarismo como o que agora vivemos, e não a Monarquia.

Cristina Ribeiro, 18.02.14
Vencidos da Vida se intitularam, entre outros, Eça de Queirós e Ramalho Ortigão, sendo nas « Farpas » onde mais verrinosamente acusam a sociedade de então, e, mais do que tudo, a política então feita. É esse sentimento de exasperação que os leva, mesmo, a, declarando-se não republicanos, afirmarem-se, não obstante, " muito condicionalmente monárquicos ", porque " entre monarquia constitucional parlamentar e república parlamentar constitucional não há diferença a não ser entre o princípio da eleição [ do Chefe do Estado ] e o da hereditariedade ". Manifestamente pouco. O monárquico tem o dever de querer mais!
Razão porque, implantada já a República, Ramalho diria que as " esfregas " aplicadas aos políticos da monarquia liberal podiam, do mesmíssimo modo, ser dirigidas aos políticos da República.

" E Florença, a de cabelos de oiro, disse-me, sorrindo: - Dá-me o teu braço e vem comigo! "

Cristina Ribeiro, 18.02.14

 

" Há cidades, como certas mulheres, que respiram um misterioso fluido de encanto e sedução. Florença, Granada, Veneza, são cidades voluptuosas. Há outras, como certas almas, que possuem o segredo profundo do êxtase. Em Perugia e Assis os olivais e os sinos sonham. Há cidades que cantam, como Nápoles; cidades que dançam, como Sevilha; cidades que choram, como Bruges; cidades fatais, como Viena; cidades que rezam, como Roma.
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Há cidades cujo sono se deixa embalar, como o das crianças; cidades que adormecem cantando, como Coimbra; outras que despertam sorrindo, matinais, mal o sol lhes dá os bons dias, como certas pequenas cidades alegres da montanha, habituadas ainda ao claro tinir dos rebanhos e ao despontar dos cerros. ( ... )
A alma das cidades é sempre uma alma feminina."

Augusto de Castro, « As Mulheres e as Cidades »

 

Algumas ficaram apenas no sonho; outras foram calcorreadas, palmilhadas, umas poucas até à exaustão - mas sem que nunca tivesse, nenhuma delas, deixado que sentisse, ou sequer lhe vislumbrasse, a alma: essa parece estar defesa aos olhos do visitante comum; reservam-na  para quem tem pulsar de poeta.

Os nossos escritores.

Cristina Ribeiro, 18.02.14
Em tarde de chuva, e olhando os montes quase cobertos por densa neblina, volto, como faço amiúde, ao Diário Quase Completo de João Bigotte Chorão: sei que nele vou encontrar o aconchego que me pede o espírito em dia de tão inclemente clima. Tom confessional, que só fica bem em escritores que possuem o dom, mas também a sabedoria, de o verter em boa literatura.
E, posto que é muito curta a minha incursão por literaturas estrangeiras, penso, cotejando o que numa e noutras me foi dado ler, que é na literatura pátria, mormente na que se fez até ao fim da primeira metade do século findo, com poucas excepções, onde encontro mais e melhores motivos de deleite. Concluo, logo de seguida, que a acalentada Alma Portuguesa não tem como único intérprete o Fado. Os nossos escritores não deixaram que isso acontecesse.
Há muito tempo ouvi a alguém que tinha encontrado, na essência, certa similitude na literatura que se fazia no país dos czares. Lembro de que por então ainda nada dela conhecia, mas quando comecei a ler os livros do autor de Crime e Castigo, não me pesou nada concordar

De lá, da sua « Pátria pequena »,

Cristina Ribeiro, 18.02.14
 
 o escritor não se cansa de zurzir os que à língua pátria dão tratos de polé, a quem, muito justamente, chama ingratos, e não foge João de Araújo Correia de dizer que " uma das causas da degeneração da nossa língua é o descaso que toda a gente faz dos escritores portugueses "; ainda se tal ingratidão " recaísse apenas em escritores maus "...
Mais diz: " O culto dos nossos livros, dignamente escritos, desapareceu. A prosa dum Herculano, dum Garrett, dum Camilo, dum Eça ou dum Ramalho jaz arrumada em prateleiras como corpos mortos em gavetões de jazigo. "

É mesmo de Ingratidão que se trata, esse aleijão que veio para ensombrar a vida em Portugal, e não apenas no que à língua se refere.

Um Dicionário único (1)

Cristina Ribeiro, 17.02.14

É uma expressão frequente cá nesta zona do Minho. Por mim, a primeira vez que ma atiraram foi aquando do exame da quarta classe: " comeste focinho de porco! ". Constava da prova a feitura de um trabalho em que deveríamos mostrar as prendas de mãos de cada um. Entre as raparigas era de uso bordar ; para o efeito tinha a minha mãe adquirido em retrosaria um pequeno pano com o desenho de um morangueiro - havia de guarnecer com linhas coloridas, enfiadas em agulha, um vistoso morango que saía de entre um par de folhas. Mas as minhas mãos não haviam sido talhadas para tal labor! E só com muita benevolência as examinadoras me despacharam com um " razoável " nesse, para mim, trabalho hercúleo. No fim do exame, de que me saíra bem nos restantes quesitos, fui brindada com aquele dito pela D. Maria, a minha professora. Foi esta expressão que fui reencontrar quando pela segunda vez me lancei na leitura do Dicionário Falado de Tomaz de Figueiredo: mãos pecas, desajeitadas, " maninhas ".

O reconhecimento tardio.

Cristina Ribeiro, 03.02.14
Lendo a correspondência que, por iniciativa do sucessor de D. Carlos, se encetou entre o Rei exilado e o ministro em  que aquele confiara para recolocar o País em boa senda, é notório o trabalho de reflexão feito por D. Manuel II, quando assume que foi mal orientado pelos seus conselheiros.
Logo na primeira carta, que envia para Biarritz, o exilado de Richmond diz pensar muito no ex-estadista que « ainda hoje sofre por ter querido fazer bem ao seu País », que deseja muito ter correspondência com João Franco e poder, dessa forma, « trocar ideias e maneiras de ver» e « saber a sua opinião sobre Portugal e o seu destino ».
Como refere Rodrigues Cavalheiro, o colector destas epístolas, mantidas secretas até muitos anos após a morte do homem de Alcaide, era irremediavelmete tarde; devia " tal diligência, ter sido feita quase três anos antes », quando, na própria noite do regicídio, o Infante " mostrara logo o receio absurdo de manter, com firmeza, à frente do Governo da Nação o homem que a seu Pai merecera até ao fim total crédito como político e como administrador ".
Porque o Rei assassinado, inteligente Rei, viu estar rodeado de falsos monárquicos, e soube destrinçar o trigo do joio. É esta perspicácia que se pede a um Rei.