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O Tempo Esse Grande Escultor

Um arquivo dos postais que vou deixando no Estado Sentido, mas também um sítio onde escrever outras coisas minhas..Sem Sitemeter, porque pretende ser apenas um Diário, um registo de pequenas memórias...

O Tempo Esse Grande Escultor

Um arquivo dos postais que vou deixando no Estado Sentido, mas também um sítio onde escrever outras coisas minhas..Sem Sitemeter, porque pretende ser apenas um Diário, um registo de pequenas memórias...

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Cristina Ribeiro, 29.11.13

Mas que frio!...
Sair do carro, depois de transposta uma das portas da vila, foi, por si só, um grande feito; mas ali estava Miranda do Douro, e havia que nos aventurarmos. E como valeu a pena!
Começamos por visitar a Sé, onde logo perguntei onde encontrar o famoso Menino Jesus da Cartolinha: comovente, a ingenuidade da imagem, e espantoso o enxoval feito com as roupas que os habitantes têm oferecido ao longo dos 90 anos que ela tem.
Cá fora, o vento assobiava, e foi quase embuçados que nos embrenhamos por estreitas e encantadoras ruelas, onde, ao lado de típicas casas de habitação, elegantes construções de índole religiosa e civil chamavam a atenção.
Hora do almoço, e para combater a baixíssima temperatura, teríamos de fazer jus à afamada posta mirandesa; a acompanhar o delicioso naco de carne o também delicioso vinho do Douro, pois então...
Que repasto, Deus meu!...

Tudo visto, demoradamente visto, apesar da inclemência climatérica, foi tempo de passarmos a outra porta da muralha, não antes de " lermos ", ali ao lado, a história da vila no mirandês dialecto.

O ouro de Trás-os-Montes.

Cristina Ribeiro, 27.11.13
Situa-se este souto no Parque Natural de Montesinho, Bragança, e não na serra da Padrela ( Vila Pouca de Aguiar/ Valpaços ), objecto da reportagem, mas dele, destes castanheiros, retiram os trasmontanos um pouco desse ouro, aludido na peça televisiva.
Queria-se assim dizer que na cultura da castanha vê a gente d'além Marão, de novo, num feliz regresso à tradição, uma fonte de riqueza, numa altura em que a exportação do fruto castanho chega aos 90 por cento. Prova provada de que na terra está, saibamos nós aproveitá-la, uma das chaves do nosso porvir.

" Costuma dizer-se que sem corpo não há alma, e com mais verdade se pode afirmar

Cristina Ribeiro, 26.11.13
 que sem alma não há corpo. Portugal não caminhará para a frente sem se apoderar primeiro do seu espírito. Distante dele, seria um corpo adormecido e parado.
Implantemos a alma portuguesa na terra portuguesa para que Portugal exista como Pátria, porque uma Pátria é de natureza puramente espiritual, e as únicas forças invencíveis são as do Espírito.
Um agregado de homens, por maior que seja, por mais que trabalhe materialmente, se não existir uma alma em actividade que seja própria a esses homens, e os una n'uma comum e superior aspiração, esse agregado de homens poderá ser apenas isso - um agregado -, mas jamais uma Pátria!
 
Teixeira Pascoaes, Revista « A Águia »

" Neste momento caótico da nossa Pátria,

Cristina Ribeiro, 25.11.13

é necessário que todas as forças reconstrutivas se organizem e trabalhem, para que ela atinja rapidamente a sonhada e desejada harmonia. ( ... ) Renascer é dar a um antigo corpo uma nova alma fraterna em harmonia com ele. O Passado é indestrutível; é a treva onde o homem mergulha as raízes do seu ser, para dar à  nova luz do futuro a sua flor espiritual.

A Pátria portuguesa viveu; atravessou depois alguns séculos de morte. ( ... )

É preciso chamar a nossa Raça ao sentido da sua própria vida, e poderá gritar entre os Povos: Renasci!

Ora, esta obra sagrada compete ao espírito português, a todos os portugueses que encerrem no seu ser uma parcela viva da alma da nossa Pátria. ( ... )

E então um novo Portugal, português, surgirá à luz do dia. "

 

Teixeira de Pascoaes

No dia em que se comemora o Santo, lembrar o Herói.

Cristina Ribeiro, 06.11.13
" Como não é possível separar o santo do herói, o homem de Estado do homem de Religião, o monge do paladino, tendo em vista que durante toda a sua vida foi Nun'Álvares o mesmo em santidade, em belicosidade e em acção política, parece estranho, à primeira vista, que elevemos aos altares um guerreiro que desembainhou a espada, não em luta contra os inimigos da Fé, mas contra um povo irmão em cristandade e além do mais aparentado com os portugueses pelos vínculos étnicos e históricos. ( ... ) Eram os de Castela bons cristãos, e no entanto se atiravam contra Portugal numa invasão sob todos os títulos injusta. ( ... ) Ao contrário do que sucedeu com muitos nobres, a intuição popular logo sentiu que se jogava , afinal, com a integridade da própria personalidade política da Pátria, sujeita a ser absorvida e para sempre apagada. E Nun'Álvares, não somente pelo seu génio, como pelo contacto com o povo nos tempos de lavrador nas suas terras de Entre Douro, viu claramente do que se tratava e rompendo laços fraternos, pôs-se a caminho de Lisboa, onde jurou fidelidade ao Mestre de Avis. Vêmo-lo, daí por diante, a batalhar no Alentejo, a comparecer na grande Assembleia de Coimbra, onde se discute o problema da sucessão. ( ... ) Tinha já Nun'Álvares bem feita a ideia de que Portugal era uma Nacionalidade, com marcada missão no mundo e destino muito próprio. 
............................................................................................................... A lição maior de todas as que nos legou Nun'Álvares é, entretanto, a da sua própria santidade. Ele nos ensinou que tudo o que se faz na terra deve ser com os olhos e o coração postos no céu. Sendo rico fez-se pobre, e sendo grande fez-se pequeno. Ensinou-nos que o supremo destino do homem está em Deus. "
Plínio Salgado in Revista « A Nação »

A Grécia foi a arca, Portugal a barca

Cristina Ribeiro, 05.11.13
O pensamento e o movimento. O movimento é o pensamento.
Portugal é o nome de Portugal e não de outra coisa fora dele. O nome está revelado, o que nos parece é que a plenitude significativa está em trânsito. Ainda não sabemos qual a profundidade deste símbolo, Portugal. Pode não ter, sequer, qualquer profundidade, para além do que nos é dado daber.
Contudo, as potências actuais do espírito português estão intactas: o lirismo, o sentido do metafísico (a ideia de que há mais mundo, e mais universo, e mais futuro...) a consciência do enigma, a tensão da saudade, alma da nossa natureza, e também uma literatura singular, e ainda, no princípio e no fim, a vocação de um pensamento filosófico que não se esgota no sistema, antes se recria mediante a arte poética.
Sendo Portugal o nome de Portugal, este nome en-se apresenta-se-nos também como um mesmo para o outro, quer dizer: o nome de Portugal não se esvai em si mesmo, e não vale para si mesmo, antes vale para o outro. Português já foi adjectivo para sinonimizar cristão, e Portugal já foi nome para a Igreja, sobretudo a Oriente, em que os povos evangelizados não distinguiam entre Portugal e Igreja, mas tudo isso era recebido através de um mesmo e único nome: Portugal. A revelação, aletêia, raro se resume a um acto instantâneoe decisivo. Em geral, a revelação é como uma viagem: vamos andando e vendo, vendo e andando, por forma que a revelação só se conclui no final. Caso a viagem tenha final.
Ora, a viagem simboliza, e de que modo, o sentido português de pensar todas as coisas. Dizia o poeta: «não evoluo: viajo». Abismal diferença filosófica entre evoluir e viajar! como e evolução fosse, alfim, mutuação na fixidez e, pois, um fixismo, e viagem fosse, alfim, transformação no movimento e, pois, um dinamismo! Por isso dizemos que tudo se acha por revelar. O que nos foi dado saber acerca de Portugal ainda é, apenas, um acerca, um ad cerca, uma aproximação, mas longe ainda de nos ser possível olhar para o dentro de dentro, para o santo dos santos. Aqui, e mais uma vez, nos parece uma similitude parcial com o povo de Israel. Também ele, cativo, progride, mas sem que lhe seja dado chegar ao interior. O Messias continua tão distante como no princípio do tempo. E todavia, para Israel, «o Senhor virá».
N'Os Lusíadas, o Velho do Restelo é uma alegoria da Europa. Diz a Europa a Portugal: não saias de casa, não partas em viagem. Fica. E Portugal partiu. Mancebo da Europa, cavaleiro do Graal, aventureiro do sonho, viajeiro do infinito, sem saber para onde ia, nem se regressava, nenhuma dessas coisas fazia parte do jogo. Importante é viajar, descobrir, trazer as trevas à luz. O símbolo português é a âncora. Deveria ser o único símbolo aposto à esfera armilar na bandeira portuguesa. Toda a viagem lusíada acha símbolo na âncora, que não serve apenas para fixar o navio, mas serve para exprimir esperança.

Pinharanda Gomes, "Meditações Lusíadas", Lisboa: Fundação Lusíada, 2001. pp. 137.

" Que boa era a vida de Lisboa "

Cristina Ribeiro, 04.11.13
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" ( ... ) Esta deficiência é mais para lamentar, quando bem se conhece o amor da gente portuguesa às flores, de que estão patentes as provas nos telhados, saguões, varandas, janelas e muros dos velhos bairros da cidade, abrindo sorrisos nas faces tristes de Alfama e Mouraria. Por lá vicejam em testeiros, caixotes e panelas, os mangericos, os craveiros, as blandinas, as zínias e as sécias de preciosa lembrança.
É o delicado gosto, a comoção rural do nosso povo, a protestar suavemente contra panoramas de altos prédios, contra os emparedamentos humanos que furtam as graças e deleites da Natureza aos olhos que delas sempre ficaram saudosos; "
Hipólito Raposo, « Modos de Ver »

 

 

Quando, em 1979, fui viver para Carnide, sentia-se ainda um cheirinho dessa Lisboa. Os olhos deliciavam-se ainda com o pouco que de tal pintura campestre permanecera. Vida de bairro prazerosa, onde as compras eram feitas na pequena mercearia, depois de uma incursão na tradicional padaria, onde os mais idosos tinham encontro marcado para a conversa diária que os distraía do vazio que a aposentação sempre traz.
Nunca a tarde seria a mesma sem um passeio no belo jardim do coreto. Em havendo tempo, ali estava o banco de madeira à espera que nele me sentasse com um livro nas mãos. Não senti, pois, o choque de quem sai da aldeia para a cidade grande, demasiado grande, onde seria muito fácil perder-me no meio da multidão indiferente. Mas bastava dela me afastar para reconhecer já sinais de mudança: esse remanso não iria durar muito, convenci-me.

 

Anos depois tive a prova de que assim era, quando, de passagem, atravessei a outrora pacata estrada das Laranjeiras. Muito outra, e não gostei do que vi. Desisti logo de revisitar aquele que durante algum tempo tinha sido o meu bairro. Medo do que iria encontrar.