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O Tempo Esse Grande Escultor

Um arquivo dos postais que vou deixando no Estado Sentido, mas também um sítio onde escrever outras coisas minhas..Sem Sitemeter, porque pretende ser apenas um Diário, um registo de pequenas memórias...

O Tempo Esse Grande Escultor

Um arquivo dos postais que vou deixando no Estado Sentido, mas também um sítio onde escrever outras coisas minhas..Sem Sitemeter, porque pretende ser apenas um Diário, um registo de pequenas memórias...

Eles conheciam-nos...

Cristina Ribeiro, 29.10.13

A cada passo, e para tal basta ler As Farpas de Ramalho Ortigão ( e de Eça ) ou Os Gatos de Fialho de Almeida, constatamos o quanto estes acutilantes observadores da contemporaneidade que era a sua, mantêm, nos seus escritos uma impressionante actualidade, uma perspicácia que só assiste a quem conhece a natureza humana, mais propriamente a do seu povo.

E, como refere João Bigotte Chorão, eles estavam cientes da intemporalidade dos aleijões que alvejavam. 

Assim, referindo-se a um inquérito que se fez sobre o português que gostaria de ver ressuscitado, diz-nos este escritor que " Ramalho Ortigão era o português que desejaria, de novo, entre nós - para com as suas farpas castigar os costumes. ( ... ) Para saber o que se passa hoje em Portugal, melhor, muito melhor, que ler jornais ( até do ponto de vista da higiene literária ) é reler As Farpas. Elas são, infelizmente para nós, de uma grande actualidade.

« Estou certo - escrevia, num rapto profético, Eça a Ramalho - que esses panfletos hão-de ter a mesma frescura viva no século XX » "  E no XXI, poderia acrescentar. Sabia, pois, que, porque a memória é fraca, a mesma água suja volta a encharcar-nos.

" Poeta de Portugal "

Cristina Ribeiro, 28.10.13
Que instinto te acorda e guia,
Da noite com que afliges
Esta tristeza sozinha
E amargurada do vale, 
Para a montanha distante,
Quando,
Como um audaz caminheiro,
Fugindo do cativeiro,
Alegre o sol vem cantando
Em sua estrada real?
...................................
......................................
 

Que era grande amigo de Tomaz de Figueiredo, fez-mo saber um amigo comentarista. Até então não sabia nada de Fausto José.
Acerca de uma visita a Ucanha e a Tarouca, falou-me em Armamar, no Douro, e que teria feito muito bem se tivesse subido um bocado até à Aldeia de Cima, onde o poeta acolhia amiúde o escritor de Valdevez. Fiquei com vontade de a visitar, claro, mas foi sempre um destino adiado até que me propus rever a, certamente - como vim a confirmar - já restaurada ermida de S. Domingos, ali vizinha ( freguesia de Fontelo ), e que se encontrava em obras de restauro.
Procurei os seus poemas e soube que a Câmara de Armamar os reeditou não há muito tempo. Mas não descansei até o encontrar, integrado na antologia « Líricas Portuguesas », coordenada por Cabral do Nascimento. Dela esta « Névoa ».

Viagens na minha Terra

Cristina Ribeiro, 28.10.13
" É um belo percurso, com admiráveis relances panorâmicos. Os olhos não se cansam de percorrer montes e vales, despenhadeiros e barrancos, verdadeiros trechos de pintura romântica, a par de fugitivos quadros de penetrante intimidade. ( ... )
A paisagem duriense é inteiramente diferente de toda a paisagem do País..Como desenho é forte e doce; pela cor,azul e verde; pela expressão, violenta e carinhosa ( ... )
Onde o Marão avança, logo o Montemuro recua. No fundo, o vale do Douro nasceu da luta entre estas duas serras tremendas. (... )
Em boa verdade, o Douro é talvez a região onde se trabalha mais em Portugal. A terra áspera e íngreme, onde, pela disposição, nenhum mecanismo agrícola pode ser empregado, é toda laborada a aço e a pulso.
De grandeza nem falemos. Quem vê o Douro do Alto de Mesão Frio ou do Vale Claro, na estrada de Resende a Lamego, é como seolhasse uma gigantesca taça de bordos de bronze "                              
                                    Pina de Morais, « Guia de Portugal »
 
 
 
 
 
 
 
 
Havia já a intenção de voltarmos ao concelho de Lamego, e, depois, perdermo-nos por essa prodigosa Província do Alto Douro. Mas o propósito foi antecipado por repto lançado aqui na caixa de comentários do blogue: " aconselho as cerejas de Penajóia! ".
 
                                O Marão, vestido com as cores de Maio, ficara para trás já. Depois de Mesão Frio, era o Douro Vinhateiro que avistávamos, a caminho de Peso da Régua. Almoço rápido, e seguimos para Lamego. A Sé que está em obras, mas que pudemos visitar. O castelo, ao cimo de um caminho muito íngreme, em obras também. Dentro do recinto amuralhado, ruelas estreitas levam-nos até à lindíssima igreja de Santa Maria de Almacave, onde se terão realizado as primeiras cortes do Reino de Portugal, corria o ano de 1143, logo após a assinatura do Tratado de Zamora.
Hora de buscar as afamadas cerejas da última freguesia do concelho de Lamego, antes de iniciar-se o de Resende, famoso também pelas mesmas razões frutícolas. E que vistas se alcançam dos seus miradouros sobre o vale!
Deliciosas as cerejas!!!
 
Voltamos a Peso da Régua e tomamos a estrada para o Pinhão. Pelo caminho placas a indicar que por ali poderíamos ir a Tabuaço, S.João da Pesqueira e Armamar. É Tarde já e alguns destinos ficam adiados: na volta do Pinhão iremos a Armamar.
 
Subíamos a serra, já no regresso de terras de Alijó, e ficávamos " sem fôlego " perante tanta beleza que da encosta avistávamos!
Na freguesia, sede de município, uma construção medieval a obrigar uma paragem: é a igreja matriz, dedicada a São Miguel.
 
Perguntamos pela ermida de São Domingos:  fica no alto do monte que dali se avista. Mais, que não maior, porque " melhor é impossivel ", deslumbramento!
Pena a ermida, situada em lugar paradisíaco, se encontrar em obras, tendo em vista, talvez, próxima romaria, e totalmente escondida dos olhares curiosos por altos taipais. Havemos, se Deus quiser, de voltar!
Mas agora a noite aproxima-se já, e é tempo de regressar.
 

 

 

" Emendadas umas nas outras ", as memórias.

Cristina Ribeiro, 22.10.13
         
Estar a caminho da comunitária aldeia de Pitões das Júnias, num caminho rodeado de cores- o sempre presente verde da serra, o amarelo das maias e do tojo, o roxo da urze , o  azul das florinhas que não soube identificar, e, claro, aquele céu, muito azul também.
Um cavalo castanho, e a lembrança daquele poema de Reinaldo Ferreira, que li pela primeira vez na escola:
 
                                                               
Quero um cavalo de várias cores,
Quero-o depressa, que vou partir.
Esperam-me prados com tantas flores,
Que só cavalos de várias cores
Podem servir.

Quero uma sela feita de restos
Dalguma nuvem que ande no céu.
Quero-a evasiva - nimbos e cerros -
Sobre os valados, sobre os aterros,
Que o mundo é meu.

Quero que as rédeas façam prodígios:
Voa, cavalo, galopa mais,
Trepa às camadas do céu sem fundo,
Rumo àquele ponto, exterior ao mundo,
Para onde tendem as catedrais.

Deixem que eu parta, agora, já,
Antes que murchem todas as flores.
Tenho a loucura, sei o caminho,
Mas como posso partir sozinho
Sem um cavalo de várias cores? .

« Ah!, mundo esmagador das recordações, Emendadas umas nas outras, aboiando como de mar sem fundo ! » Tomaz de Figueiredo

Cristina Ribeiro, 22.10.13
 
" Rubiães para além das belezas ribeirinhas do rio Coura, possui encantadoras vistas panorâmicas, observadas dos montes da Mourela e tem um património edificado de grande valor cultural. São notáveis  as marcas deixadas pela cultura romana."
 
Este um excerto do texto acabado de, por mero acaso, encontrar no sítio informativo da freguesia do concelho de Paredes de Coura.
 
                            Ora eu passei, durante anos, desde a adolescência até há pouco tempo, semanalmente, a Rubiães; a caminho de Valença do Minho, aonde ia passar todos os fins-de-semana, e, depois, todo o mês de Agosto. Sempre me chamou a atenção a igreja românica, ali mesmo junto à estrada. Mas ficava por aí. Nunca tive curiosidade de conhecer o interior de Rubiães.
Há dias, quando fui à serra d'Arga, foi por lá que fiz o caminho de regresso, e, já debaixo de algumas gotículas de chuva, fui fotografá-la.
Quando quis saber o nome da igreja - S.Pedro -, li que naquelas paragens encontraria um mundo de beleza.
                         Como é que soe dizer-se? ao virar da esquina... 

Tudo esquecemos, nada aprendemos ( 2 )

Cristina Ribeiro, 21.10.13

Para os que ainda duvidam de que está no ar um segundo « rotativismo » partidário, tal como o cunhou João Franco. O primeiro aconteceu durante a famigerada monarquia parlamentar, que, verdadeiramente, acabou com o assassínio de D.Carlos. Em certos aspectos da vida, a mesma água passa debaixo da mesma ponte, sim senhor! Basta não aprendermos com a História.
E, como as coisas estão, também este acabará em tragédia.
Nada aprendemos!
Temos de nos consciencializar de que os partidos são uma máquina de destruição.

Tudo esquecemos, nada aprendemos

Cristina Ribeiro, 21.10.13

Tenho na mesa de cabeceira vários livros; de literatura apenas leio um à vez ( neste momento, « No Bom Jesus do Monte » ), mas outros vou consultando, a eles recorrendo amiúde. Um destes é « Sob o Nevoeiro », do conterrâneo Mário Saraiva. Lúcido, cedo me dei conta de que em muito me identificava com o seu pensamento; na questão agora abordada, a conclusão lógica e óbvia é corroborada pela experiência que nos está dado ser vivida, há já 38 anos, a qual justifica que nela só não me revisse se fosse masoquista; só se não parasse um bocadinho, pouco é necessário, para pensar na razoabilidade do que diz.

 

Pergunta ele: " Acaso o pluripartidartimo [ tanto em Monarquia como na República ] alcançou a representatividade nacional? "

 

Pergunta que faz anteceder das seguintes considerações: " Temos no país uma longa experiência que vem dos princípios do século XIX e não podemos desprezar os factos e ensinamentos que ela encerra.

 

No desmanchar da feira do partidarismo monárquico, Oliveira Martins, um dos maiores pensadores da sua geração, denunciava com a maior propriedade que « o deputado só legitimamente representa a opinião partidária » e também que « entre os partidos e a sociedade portuguesa , entre uns bandos de espectadores e uma massa de gente laboriosa, não há pontos de contacto íntimo, nem solidariedade ». ( ... ) É notável, pela clarividência que revela, o seu estudo « As Eleições », propositadamente posto no esquecimento, porque muito informativo para o público desprevenido.

 

Com o acto revolucionário de 1910 os ingénuos idealistas republicanos [ que também os houve ] não tiveram a percepção de que o mal que arruinara a vida política em monarquia era o do partidarismo, pelo que em vez de partidos monárquicos passaram a degladiar-se partidos republicanos.

 

As coisas e as pessoas são o que são, e não como se desejam. Os partidos políticos não podem ser diferentes de si próprios, porque não podem fugir à sua circunstancialidade. A prova que nos deram, em tão longa experiência ( partidarismo monárquico, partidarismo republicano ) foi a de que, com o tempo, em vez de se corrigirem e aperfeiçoarem,mais se deterioraram, por agravamento doss seus defeitos ".

 

Acrescento: porque está na sua natureza o autopromoverem os próprios interesses, em detrimento do interesse do povo que juram representar, do interesse nacional.

“Custa tanto escrever um bom livro como um mau livro; mas só merece respeito a Arte que é em nós uma imposição, um destino, um fogo inconsumível de espírito " *

Cristina Ribeiro, 18.10.13

" Li-o duas vezes, que eu desconfio sempre da minha primeira leitura, que é raro coincidir com a segunda: ou me causa uma impressão melhor ou pior. Com a sua admirável novela, na segunda leitura foi melhor a impressão recebida. Feriu-me, sobretudo, no desenho nítido das paisagens, a figura esboçada do personagem principal. Nisto reside o maior merecimento da obra! O ser humano, porque é vivo, é indefinido, perante as cousas mortas ou simplesmente animadas. Este contraste, tão eloquente! no seu livro, porque faz ressaltar a verdade que vislumbramos no panorama do mundo, feriu-me, repito, duma maneira muito especial e original! Trata-se duma escritora de raça, dotada de excepcionais qualidades visionárias, do instinto do real. Sem este instinto, há só literatura, e mais nada. Se os românticos excederam a realidade, caindo na falsidade, os chamados naturalistas cometeram o pecado contrário, e tornaram-se inferiores à Natureza. A autora do « Mundo Fechado » não praticou esses erros. E, por isso, a felicito com o maior entusiasmo! "

 

Carta de Teixeira de Pascoaes, agradecendo a oferta do primeiro romance da escritora amarantina.

 

   * Agustina Bessa-Luís

E o rapaz que não vinha!...

Cristina Ribeiro, 18.10.13

A mulher bem lançava os olhos ao caminho, e resmungava.

Havia já quase meia hora que o mandara por mor de meia broa...  sim, que era dia em que a vendeira cozia, e o seu Manel não a dispensava na hora da sopa...

Ai dele, quando chegasse! Se a venda não ficava nem a cinco minutos de casa... Decerto algum ninho de pássaro, ou algum catraio a desafiá-lo para uma corrida até ao rio... E ia olhando o carreiro por onde viria o seu homem; devia estar a chegar... dianho de rapaz!...


Estava nisto, quando ouviu um assobio, vindo de lá das bandas da aldeia: - e ainda assobiava, o malandro...


Que estivera à espera que a dona Lucinda tirasse a broa do forno, pois que tivera de ir ao médico e se atrasara.


E já lá chegava o pai, de enxada ao ombro: vinha cheio de fome.

Da boa e da má literatura.

Cristina Ribeiro, 18.10.13
" O gosto da leitura associado a uma prosa saborosa é que explica que, quando ela falta, a literatura, para muitos se torne enfadonha. Por isso, pela graça do seu estilo, é que Eça ainda se lê ( quando não condensado em discutível resumo ) e Camilo ainda vai resistindo ao progressivo empobrecimento da língua - a mesma língua de que o grande prosador celebra as " consonâncias maravilhosas ".
João Bigotte Chorão.

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