Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

O Tempo Esse Grande Escultor

Um arquivo dos postais que vou deixando no Estado Sentido, mas também um sítio onde escrever outras coisas minhas..Sem Sitemeter, porque pretende ser apenas um Diário, um registo de pequenas memórias...

O Tempo Esse Grande Escultor

Um arquivo dos postais que vou deixando no Estado Sentido, mas também um sítio onde escrever outras coisas minhas..Sem Sitemeter, porque pretende ser apenas um Diário, um registo de pequenas memórias...

Foi graças ao muito trabalho dos meus pais (2)

Cristina Ribeiro, 27.02.10

 

 

 

 

 

 

 

Mas desta vida árdua ressalta a heroicidade de uma Mulher, da minha mãe.

Morava a cinquenta metros da Escola Primária, mas não lhe foi permitido ir além da Terceira Classe: os pais precisavam que ajudasse em casa e na Venda, enquanto a minha avó cozia fornada de broa, atrás de fornada...

Algum tempo passado, e com muitos irmãos homens, competia-lhe a ela ir lavar ao rio, e quando o meu avô começou a fabricar talheres, muitas vezes lhe coube levá-los à cidade, na camioneta que apanhava na vila mais próxima, não tão próxima assim...

Quando casou, começou por ajudar na economia doméstica cozinhando petiscos, como antes fizera na Venda da avó, e criando galinhas, coelhos e porcos que vendia na feira.Até que decidiu trabalhar com o meu pai. Começou aí uma odisseia que ainda perdura. Levantava-se muito cedo, por mor de abrir a fábrica aos trabalhadores ; no Inverno, quando o frio era muito, e eles chegavam enregelados, mandava acender as brasas que enchiam alguns bidões, enquanto lhes fazia café bem quente. Habituaram-se a ver nela uma amiga, que nunca esqueciam no aniversário, altura em que a minha mãe lhes fazia sempre um lanche, boa cozinheira que sempre foi... Ainda hoje, antigos trabalhadores, que saíram porque emigrararam, ou porque se reformaram, vêm, amiúde, visitá-la, e não raro despedem-se com os olhos cheios de lágrimas...

Em 2007 foi-lhe diagnosticado um cancro. No dia 11 de Dezembro desse ano retiraram-lhe meio pulmão, mas um mês depois lá estava no seu posto de sempre. Continua a ser a Mulher do Leme, quer no trabalho, quer na família.

Foi graças ao muito trabalho dos meus pais

Cristina Ribeiro, 27.02.10

 

Que eu e os meus irmãos passámos mais ou menos " incólumes " a , na altura já mais amainada, semi-tormenta do final dos anos sessenta, sem as privações que víamos nos vizinhos, mas apenas com privaçõezinhas. É verdade que nunca então vi, como há dias, a miséria extrema, a mesma de que ouvi falar os mais antigos. Quer a família de um quer de outro tinham começado por ser moleiros, mas ambas acabariam por se entregar à indústria local, a de garfeiros, e foi nela que o meu pai, feita a tropa em Lisboa, se lançou em negócio próprio. Começou aí, para ele e para a minha mãe, com quem entretanto casara, uma vida árdua, que se foi tornando mais custosa com a chegada dos filhos. Foi uma época difícil, essa, em que todos os dias se ouvia de mais um que fora a monte para França ou para a Alemanha, em busca de uma vida melhor. Como agora.. Lembro os serões que passávamos a fazer aqueles pequenos trabalhos que a nossa tenra idade permitia, muitas das vezes numa luta gigantesca com o sono . Uma vida muito disciplinada, em que nos contentávamos com o pouco que nos podiam dar.

Há dias, à conversa, na caixa de comentários,

Cristina Ribeiro, 27.02.10

 

com Helena Branco, falávamos nós nas paragens que o comboio faz nos apeadeiros, referi que quando íamos no da linha do Tua, a caminho de Mirandela, aproveitávamos essas paragens para apanhar nas ramadas os gaipelos que tinham ficado após as vindimas- passava-se isto nos fins de Setembro.

... a lembrar aqueles dias lindos de Outono em que, munidos de canas fendidas, os rapazes, seguidos por um bando de raparigas, que não queriam perder a oportunidade de comer uns bagos, iam fazer a " limpeza " final, prendendo o caule dos pequenos cachos, que, por serem pequenos, tinham sido desprezados pelos vindimadores, na fenda da cana. Os pássaros que por ali tinham ficado, a aproveitar os restos de sol, já nada iriam encontrar.

...

Cristina Ribeiro, 27.02.10

 

entre Braga e Guimarães, nem sei qual a sua origem, mas lembro-me de ter lido n« O Minho Pitoresco » uma referência a um pleito judicial ; no Século XIX, sobre demarcações geográficas, que resultou na atribuição de grande extensão do monte da Falperra ao concelho de D. Afonso Henriques, coisa com que ainda hoje a cidade dos arcebispos não se conforma. Quer de um lado quer do outro, gente há que leva esta " má vizinhança " a peito, de tal modo que a sua maior alegria é a de saber da derrota do clube de futebol rival.

Pouco depois de ser eleito pelo círculo de Guimarães, em 1884, ficaram célebres os discursos proferidos por João Franco, versando este conflito, em defesa das gentes que o elegeram.

Se os Bracarenses chamam " espanhóis " aos habitantes de Guimarães, estes pagam-lhes chamando-os de " marroquinos ": há dias, em casa de amigos em Braga, dizia um que no dia seguinte iria a Guimarães, tendo-lhe dito, então, um outro para que não esquecesse o passaporte, ou ficaria retido na fronteira. Retorquiu-lhe o primeiro, que estando-se no Espaço Schengen, lhe bastaria o Bilhete de Identidade..

" ...que a felicidade fosse mais fácil, num contexto tão mais difícil"

Cristina Ribeiro, 27.02.10

 

diz o Diogo, na caixa de comentários. Não tenho dúvidas, face ao que vou ouvindo de pessoas que viveram nesses anos muito difíceis. Há dias, íamos a passar por um local cheio de casas- tipo-maison, e disse a minha mãe- " - Olha, aqui era onde nos Domingos à tarde fazíamos os nossos bailaricos; juntávamo-nos algumas raparigas e rapazes, alguns deles lançavam mão dos cavaquinhos, e era uma alegria pegada...". Passava-se isto nos princípios dos anos cinquenta, quando por aqui a pobreza era mais do que muita, e o que valia era que a palavra solidariedade não era " dita da boca para fora". Hoje, honestamente, não sei se teríamos o valor que tinham então.

Durante toda a noite a chuva caíra com a mesma intensidade.

Cristina Ribeiro, 24.02.10

 

Mas agora o sol iluminava o quarto- bem lhe dizia o Eduardo que depois da tempestade vem sempre a bonança.Sorriu quando pensou no amigo, e, instintivamente, olhou pela janela, procurando por entre as árvores a casa grande, no fim da alameda, dos donos da quinta. Sempre a receberam bem, aceitando-a lá em casa como a amiguinha do filho, desde quando eram pequenos. E com que ansiedade aguardava, de cada vez, as próximas férias, quando ele vinha de Lisboa com os pais...

Olhou para a posição do sol e pensou que o pai estaria a trabalhar nos campos havia muito tempo já, e que estava na hora dela se levantar também, mas permitiu-se mais um tempo de devaneio. Como gostava de falar com ele. Animou-se com o pensamento de que as férias da Páscoa não tardariam muito... Entretanto, a vida chamava-a, e lembrou-se de que teria de falar ao vizinho para dar uma olhada no telhado: com a tempestade dos dias anteriores nunca se sabia...

« Muitas foram as casas por onde andou Tomaz de Figueiredo ao longo da sua vida,

Cristina Ribeiro, 21.02.10

 

mas uma só, considerava, lhe ficara para sempre no coração- a Casa de Cazares em Arcos de Valdevez(...); é falar numa ligação tão forte que o leva a desejar-se arcoense apenas para nessa casa ter nascido; é falar numa permanente procura desse bem perdido onde se encontram a infância, as tropelias de menino, o local de tantos sonhos de juventude »

 

                 Prossegue a digressão pelos refúgios dos meus escritores dilectos, e, através das imagens captadas por Sérgio Freitas, ando por aquelas salas do casarão de granito, onde nunca estive, detendo-me a olhar as muitas fotografias na parede, que, de certo modo, me são já familiares, porquanto as li em vários dos seus livros.

São em parte estas que me levam até à estante, em busca de uma frase lida no seu romance maior, e que resume todo o sentir que está por detrás dos seus escritos- « Ah!, mundo esmagador das recordações! Nunca parara de lhe trabalhar no coração ( e não seria o coração, nele ao menos, a sede, afinal, do pensamento? ) aquela frase topada em Michelet..." pour te verser, mon coeur, j'ai besoin de l'éternité " »

 

E vem-me à cabeça aquele título de Marguerite Yourcenar- « O Tempo, Esse Grande Escultor ».

' Umas fiz, outras ficaram no sonho ',

Cristina Ribeiro, 14.02.10

 

  « Vista de Delft » -  Vermeer

 

dizia há tempos, referindo-me ao programa «Europa de Comboio », que passou, em episódios de mais ou menos uma hora, ao Domingo na RTP2. A última viagem assim feita levou-me ao interior da Holanda, num Junho bem ensolarado, por entre campos verdes semeados de cores mil, que vinham das muitas flores por ali espalhadas. Com uma irmã e uma sobrinha pequena, para quem o assento do comboio constituiu um evidente alívio, depois de tanto ter calcorreado as ruas de Amsterdão, desci, por fim, numa pequena estação de província: chegáramos a Delft, a terra daquele pintor tão apreciado, autor de alguns quadros admirados no Rijksmuseum- uma cidadezinha encantadora, também ela atravessada por canais, e repleta de edifícios, quer públicos quer de habitação, de fazer empalidecer de vergonha um português que se deite a comparar o que por lá se faz em matéria de preservação do património construído. Foi debaixo de um sol no seu máximo esplendor que entrámos na Nieuwe Kerk para olharmos o mausoléu de Guilherme o Taciturno, antes de encetarmos a viagem de regresso. De novo, a visão do comboio foi um colírio para os olhos da sobrinha, a quem, claramente, as pernas já pesavam...

Almoço familiar. Digo à minha mãe que tenho uma rubrica sobre as histórias que conta.

Cristina Ribeiro, 14.02.10

 

Falo-lhe, por exemplo, das tardes em que ia, com as amigas, lavar no rio, e como as aproveitavam bem. Pergunta-me se me lembro do grande tanque de granito no quintal dos avós; que sim, e como gostava de dar à manivela na grande roda que fazia trabalhar a bomba da água para o encher... " - Pois foi o teu avô que o mandou fazer, quando descobriu a maroteira ".

Pág. 1/2