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O Tempo Esse Grande Escultor

Um arquivo dos postais que vou deixando no Estado Sentido, mas também um sítio onde escrever outras coisas minhas..Sem Sitemeter, porque pretende ser apenas um Diário, um registo de pequenas memórias...

O Tempo Esse Grande Escultor

Um arquivo dos postais que vou deixando no Estado Sentido, mas também um sítio onde escrever outras coisas minhas..Sem Sitemeter, porque pretende ser apenas um Diário, um registo de pequenas memórias...

Feliz!

Cristina Ribeiro, 27.01.10

 

Encostado à enxada, o velho, magro, de pele tisnada pelo sol, sorria;  os olhos sorriam também: o orgulho naqueles talhões cultivados com alface, tomate, ervilhas...

No céu, a lua começava a  surgir, timidamente ainda, horas, portanto, de ir para casa, onde a sua Lucinda o esperava com uma sopa feita com hortaliça que as suas mãos haviam plantado e cuidado...

Pôs a enxada aos ombros e pôs-se a caminho, cantarolando...

" Era do avô "

Cristina Ribeiro, 26.01.10

- E este cachimbo, avó? Tem sempre uma história para contar...

- Sentem-se todos que já vos conto. Lembram-se daquele leque. que o avô me deu em Paris? Quando fizemos dez anos de casados, já com três filhos, fomos todos passar uns dias ao mesmo hotel, e foi a minha vez de o surpreender. Pedi à tia Marianinha, então com nove anos, para dizer ao avô que eu fora ao cabeleireiro, e entrei no mesmo antiquário. Logo encontrei o que tinha em mente.

O avô sempre fumara cigarros, mas uma vez, pouco depois do nosso casamento, disse-me que gostaria de experimentar um dia o cachimbo; e ali estava, à minha frente, esse que agora tens na mão, Luís. No caminho comprei tabaco, e nunca mais o avô voltou aos cigarros...

" Se já viveste em Coimbra algum tempo, leitor,

Cristina Ribeiro, 23.01.10

 

has-de lembrar-te, de certo, d'aquellas deliciosas e amenissimas noites, com que Deus felicita a cidade letrada, desde que a primavera principia a espalhar flores por cima dos jardins e dos prados, até que o outonno se pôem a desprender dos ramos das arvores a folhagem amarellecida ".

Começa assim, com uma escrita que encontro atractiva na simplicidade descritiva de um ambiente sentido tão português, o livro que, em boa hora me aconselhou o caro Atrida: « A Caldeira de Pero Botelho ». Num primeiro momento, e porque desconhecia o escritor recomendado, Arnaldo Gama, pensei que facilmente o encontraria nas livrarias, mas logo o aconselhador me iria desenganar: talvez o encontrasse num alfarrabista, em tendo sorte... Fui então pelo caminho mais fácil: perguntar ao meu pai, ele mesmo inveterado frequentador desses templos de livros que não se encontram já no mercado livresco; e é que tinha mesmo! A recomendação de o tratar bem, pois que duma primeira edição, de 1866, se tratava... Coisa de bibliófilos, essa de assim valorizar primeiras edições. Eu, a quem importa apenas o que no livro posso ler, será que um dia vou ceder a tal culto? Para já pouco me importa o ano em que foi editado, porém, com tal professor não me atrevo a dizer " nunca ".

Mas o objectivo primeiro deste apontamento é o de falar nas grandes potencialidades da blogosfera, dentre elas a de dar a conhecer novas penas.

" Cidade Magnífica ", oiço alguém dizer, referindo-se a Pinhel.

Cristina Ribeiro, 12.01.10

"

 

Visitámos a cidade noutro Outono- tudo é bonito no Outono-, quando, saindo já do Distrito da Guarda, empreendemos o caminho para Viseu. Famosa por sempre ter recusado obediência a outro senhor, que não a El-Rei, esta cidade, cujo nome advirá do facto de na região haver muitos pinheiros, é conhecida por Cidade do Falcão, desde que a mascote do exército de Castela passou, depois que lhe foi subtraída por um grupo de pinhelenses, a integrar o seu brasão.

Cidade magnífica, na verdade

Embrenhada no livro de J. Sarmento de Beires,

Cristina Ribeiro, 11.01.10

 

leio: « A capota esquerda do avião solta-se e começa a bater, ameaçando a hélice. Olho Brito Paes e os nossos olhares compreendem-se. É a mesma voz a gritar-nos:

- «Avante! » É o povo de Portugal quem vai connosco e quem manda »

 

Reconhece-se nestes dois pioneiros da aviação portuguesa a fibra do marinheiro que enfrentou o Mostrengo, em nome de El-Rei D. João II e do « povo que quer o mar que é teu ».

 

« Na travessia da costa norte do continente africano,que pela primeira vez ia ser tentada, Portugal teria novamente oportunidade de abrir ao mundo rotas ( agora aéreas ) ignoradas ainda »: não, a gesta pioneira não se esgotara nos Descobrimentos.

Em dia de ponte, de céu muito azul, e cheio de sol,

Cristina Ribeiro, 11.01.10

 

que bem o sinto, na varanda onde procurei um pouco desse ar, opto por ler um livro que me foi oferecido no Sábado, e que dá conta de mais uma glória portuguesa por muitos de nós desconhecida- pelo menos até esse dia nunca eu tinha nela ouvido falar. Trata-se do livro « De Portugal a Macau», da autoria de José Manuel Sarmento de Beires, oficial da aviação, que, juntamente com António Jacinto da Silva Brito Pais, e Manuel Gouveia ( mecânico que destaca como « exemplo raro de fé, de idealismo e de dedicação » ), liga, por via aérea, quase em simultâneo com a travessia do Atlântico Sul, por Gago Coutinho e Sacadura Cabral, Portugal Continental a Macau

À falta de bonecas...

Cristina Ribeiro, 11.01.10

 

Não pretendendo sequer chegar aos calcanhares dos irmãos Castelo-Branco ( levados da breca! ), declaro-me uma " quietinha ", que, o máximo até onde ia era o roubo de uns ovos da capoeira materna, para fazer gemadas à socapa. Nem por isso me livrei do epíteto de Maria-rapaz, só porque, tendo como únicos parceiros de brincadeira, antes de ir para a escola, quatro irmãos, pedi à minha mãe um pião e respectiva fieira, quando era suposto brincar às casinhas. Tive de esperar a vinda de uma irmã, pois.

" Injustiça! ", disse ela...

Cristina Ribeiro, 11.01.10

 

Era o Natal dos meus seis, sete anos- e penso-o assim porque havia já algum tempo que me tinham caído os dentes de leite- ; na véspera colocáramos, como sempre, cada um de nós, um sapato no fogão de lenha, e só íamos ver os presentes na manhã seguinte, assim que os pais autorizassem. Dessa vez fui a primeira a chegar, e vi que no meu sapato estava um fantoche de uma velha desdentada, enquanto no de uma irmã mais nova estava uma princesa de vestido azul e coroa- trocá-los foi uma questão de segundos. Quando a minha irmã chegou e viu o que lhe coubera em sorte, lamentou-se:

-" O Menino Jesus enganou-se; eu não sou a mais velha. "

 

E, claro está, que os meus pais nada puderam dizer.

Como das outras vezes, instaláramos o Quartel General

Cristina Ribeiro, 11.01.10

 

na pousada da Senhora das Neves, em Almeida. Era o fim-de-semana prolongado do 1º de Dezembro, e íamos visitar alguns dos lugares onde se tinham desenrolado embates decisivos da Guerra da Restauração, como Castelo Rodrigo, onde as gentes da Beira sobressaíram na batalha da Salgadela. Visitámos outras Aldeias Históricas, entre as quais a de Castelo Mendo. Vazia nas suas ruas lindamente empedradas, onde só vimos alguns cães, que por ali vagueavam, encontrámo-la bonita, com belíssimas casas de granito, com uma bem preservada muralha do tempo de D. Sancho II, reforçada no reinado de D. Dinis, começou por deixar uma boa impressão no grupo alargado de uma vasta família,protegida contra os rigores de um Inverno que ainda não tinha chegado, mas que ali se fazia sentir já. Essa impressão idílica, porém, iria ser assombrada pouco depois, com a visão de uma rapariguinha que, debaixo de um vento gélido, pastoreava uma vaca, certamente alheada da beleza que acabara de nos deliciar. Lembro de ter pensado que, tivesse ela oportunidade, e logo voltaria as costas àquela terra que só os forasteiros podiam ver com lentes cor-de-rosa. Um retrato eloquente dessa macrocefalia de que fala o Pedro.

Naquela altura as esperanças nos partidos

Cristina Ribeiro, 09.01.10

 estavam ainda intactas. É certo que para o meu pai o CDS nunca passou de " um mal menor ", mas os meus irmãos viam-no como algo de redentor, tal como aconteceria comigo mais tarde, até que fui confrontada com a evidência de que " são todos iguais ".

Naquele dia ( de 1975 ou 76? ) ia haver um comício no Teatro Jordão, em Guimarães. As ameaças a quem nele participasse sucediam-se. Foi pois com grande apreensão que a minha mãe, eu e as minhas irmãs, os vimos sair. Algum tempo depois tocou o telefone: era um amigo, que vivia na rua do Teatro, dizendo-nos que aquilo estava um pandemónio. Cheias de medo, ouvíamos os tiros, que se sucediam sem intervalo. Só descansámos quando os vimos- já muito pela madrugada dentro - entrar em casa, altura em que nos puseram a par das cenas Far-Westianas por que tinham passado. Deve datar dessa altura, embora de uma forma muito inconsciente, a convicção de que em Portugal se estava a brincar à democracia.

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